quarta-feira, 31 de março de 2010

Ana e as nuvens




A janela foi aberta pelas mãos cheias de dedos finos e firmes.

O céu confirmou suas expectativas: continuava lá em cima.
O amarelo-mostarda-mel-cintilante era aconchegante.
Ratificava que estava tudo onde deveria estar.
A nuvem se aproximava e Ana sentia seu cheiro.
Cheiro de doce, de chuva e de mato.
Cheiro de lençol lavado, de edredon com resto de perfume,
com resto de suor.

Há muito não via aquela nuvem.
Sentia não só falta, mas também saudades.
Gostava de quando ela chegava e a envolvia e, enfumaçada,
ocupava todo o seu quarto.
Ana sorriu.
A nuvem volitava em sua direção, como se reconhecesse um dono.
Ana sentiu o peito parar.
Sabia que seria novamente envolta por ela.
Sabia que sublimariam, Ana e a Nuvem, cada qual ao seu modo.
E que novamente poderiam nunca mais se ver.
Ana sorriu.
A nuvem entrou.
Envolveu-a.
Sublimou.

A janela foi aberta pelas mãos cheias de dedos finos e firmes.
O céu confirmou suas expectativas: continuava lá em cima.
O amarelo-mostarda-mel-cintilante era aconchegante.
Ratificava que estava tudo onde deveria estar.
Uma nuvem se aproximava e Ana sentia seu cheiro.
Cheiro de acre, de mar e de sol.
Cheiro de roupa limpa, de flores penduradas.
Ana sorriu.

(frô)


(http://mosaicos-cida.blogspot.com/2009_12_01_archive.html)

domingo, 28 de março de 2010

Amorfos

Amorfos somos
por cada dia vivido e não compreendido,
por cada escolha feita sem percepção.
Deixamos então de ser por um momento, nós mesmos
pra sermos produtos de outros segundos,
de terceiros.

Amorfos somos
quando vivemos sem amor a nós.
Quando, ao invés de conhecermos a nós mesmos,
preferimos conhecer o mundo além,
em sombra melhor que o nosso,
de fato, mundo de erros, hipócrita, bizarro, fanático.

Amorfos somos, amorfos fomos,
amor fomos,
no dia em que nascemos.
No dia em que éramos, simplesmente,
e ainda seremos, no dia em que enxergarmos nosso reflexo,
no dia em que formos o que somos.

Estudemos, pois, o que gostamos.
Leiamos, pois, o que nos interessa.
Saibamos, pois, o que nos convém.
Experimentemos, pois, o que nos apetece.
vivamos, pois, nossa própria vida,
com contornos delimitados, formados.

Só assim, no fim,
poderemos dizer para a alma que nos traz
overdose de vida, de afeto, de amparo,
Dizer com encanto por tudo aquilo que somos,
encontrando o regozijo no canto silente,
"sim, amor, fomos!".

Ao sentir a aproximação onírica de José, Ana cerrou suas asas, protegendo-se
como uma concha. O amor de José batia forte, mas a fortaleza anírica permaneceu firme.
Ana fechava seus olhos e ouvidos; preferia não escutar as batidas
do coração dele, mas quanto mais selados ficavam os ouvidos, mais percebia
Ana que as estrondosas batidas vinham de seu própio interior.
José, que por um momento engolira a vergonha da exposição, ruboresceu pela reação de Ana.
Sentia-se decepcionado. Esperava que ela saísse da concha, mostrasse sua pérola.
Ana se protegia, contudo. Não se deixaria levar.
José, hesitante, cerrou os olhos e conversou com Deus. Queria motivos, queria
conselhos, queria ao menos ter a certeza de que era essa a sina.
"Sina, sina, sina", ecoou Deus, com sua voz rouca e doce.
"Faça-a! Ama!"
O eco se fez novamente
"Ama, ama, ama, ana..."
Mas José só queria amar se fosse amado.
A Voz de Deus fazia tremer todo o seu Universo,
e já que pedira ajuda, José resolveu. José amou.
Amou Ana sem esperar a reciprocidade mundana.
Amou Ana sem esperar sequer um pensamento em troca.
Amou Ana gratuitamente, Ana toda, Amou completamente.
Amou Ana eternamente, sem medo de um dia virar pó.
José sussurrava por entre suas asas o quanto a amava.
José descrevia todas as manhãs quão lindo o céu estava.
José orava por Ana, cantava para ela e a acariciava.
E por mais que Ana se fechasse, as partículas de amor transcendiam suas asas
e a atingiam suavemente.

E Ana vivia.

E Ana ouvia.
E Ana sentia.
E Ana queria.
E Ana amava.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Transeunte


Nada de longas conversas, discutir relação, dar opinião. Nada de dar
explicações nem sequer procurar razões. Não era pra ser assim e assim não seria.
Não existia bem o que se poderia chamar de relação. Talvez um dividir o mesmo ambiente espiritual, o que independe de tempo e espaço. Era tudo o que os unia.

Uma relação tão sutil que sequer existia, mas bem ali, no meio do peito, José sabia que alguma coisa, fosse o que fosse, ocupava lugar.
E era tanto, que as vezes, essa coisa indescrita se tornava tão indigesta que se de fato fosse coisa,
travaria sua garganta, estancando a respiração.

A sutileza relativa do quase relacionamento impregnava os sentidos de José, que entendia, porém sem compreender, que se tratava de coisa séria. Talvez uma coisa além mar, além céu, além vida.

Ana sentia suas asas batendo dentro das costas. Queria rasgar sua pele para poder se ver livre daquele ambiente espiritual que tanto excitava sua alma, que tanto a incomodava. E incomodava porquê não acreditava nessas coisas. E se acreditava, não admitia. Permanecia inerte, como mais um normal.
Nessa quase-história toda, que na verdade era muito mais que uma história inteira, já que era uma singela parte de uma história sem fim, mesmo sem crer e sem querer, Ana se via ao lado de José.

As mãos eram descansadas umas nas outras. Um peito era acolhido pelo outro. Os olhares se acatavam mutuamente. Mas nada daquilo existia. Então. Ainda.

A realeza daquele momento se findava na realidade.

E Ana virou as costas. E José, vendo suas asas a tomarem espaço no mundo, despediu-se de Ana. Lágrimas não rolaram. Sorrisos também não. Apenas um “até logo”, dito sem palavras. Apenas um aperto na alma, que pedia paciência. A Transeunte virou a esquina, sentindo que precisava voar. Não quis olhar para trás. Não podia. Paciência. Até (de)mais.

domingo, 21 de março de 2010

A Fé Solúvel - O Teatro Mágico

É, me esqueci da luz da cozinha acesa
de fechar a geladeira
De limpar os pés,
Me esqueci Jesus!

De anotar os recados
Todas janelas abertas,
onde eu guardei a fé... em nós

Meu café em pó solúvel
Minha fé deu nó
Minha fé em pó solúvel

É... meu computador
Apagou minha memória
Meus textos da madrugada
Tudo o que eu já salvei

E o tanto que eu vou salvar
Das conversas sem pressa
Das mais bonitas mentiras

Hoje eu não vivo só... em paz
Hoje eu vivo em paz sozinho
Muitos passarão
Outros tantos passarinho

Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça-me um favor

Um favor... por favor

A razão é como uma equação
De matemática... tira a prática
De sermos... um pouco mais de nós!

Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça-me um favor

Um favor... por favor

Realejo - O Teatro Mágico

Será que a sorte virá num realejo?
Trazendo o pão da manhã
A faca e o queijo
Ou talvez... um beijo teu
Que me empreste a alegria... que me faça juntar
Todo resto do dia... meu café, meu jantar
Meu mundo inteiro...
que é tão fácil de enxergar... E chegar

Nenhum medo que possa enfrentar
Nem segredo que possa contar

Enquanto é tão cedo
Tão cedo

Enquanto for... um berço meu
Enquanto for... um terço meu
Serás vida... bem vinda
Serás viva... bem viva
Em mim

Será que a noite vira num vilarejo
vejo a ponte que levara o que desejo
admiro o que há de lindo e o que há de ser... você

Enquanto for... um berço meu
Enquanto for... um terço meu
Serás vida... bem vinda
Serás viva... bem viva
Em mim

"Os opostos se distraem
Os dispostos se atraem"

NOVA VIAGEM

(Grupo Arte Nascente - GAN)


Muito tempo se passou
E aqui novamente encontrar você.
Foram tantos sonhos
E deixamos de viver
Eu e você nosso mundo.
Pelo que passamos
Nós fomos culpados,
Faz parte da vida,
Voltamos mais fortes,
Hoje posso ver,
Faz sentido agora,
Uma outra paisagem,
Uma nova viagem.

sábado, 20 de março de 2010

Sonetos de esperança


Antes, ouvia suas palavras
Sabia o que pensava
Sentia o que dizia
Via o que queria
Dizia o que sentia
Sentia
Agora não mais que olhares despercebidos
E vagos, vagos em um frio deixado pelo fim
Da chama do desejo de amores intensos.
Procurados, sofridos:
Não encontrados.
Em devaneios da solidão sinto ainda seus afagos:
Doce maciez dos poucos toques
Dum único e amado beijo, trazido por compaixão;
Não volúpia intensa do gozo do amor extremo
Por mim sentido,
Mas ainda sim, alguns momentos queridos
Que para sempre n’alma fincada
Em eternas lembranças do amor perseguido.
Correm-me em face, lágrimas
Da última esperança;
De que o fogo existia atrás de
Suas frias palavras,
E que as palavras do coração arrancadas
Agora esquecidas,
Sejam lembradas.
               
Selaht (um amigo)

Saudade do nada



Em cada canto que estou
Pra cada lugar que eu vou,
Vejo o que foi minha tristeza,
Vejo o que foi minha felicidade: nada.
Olhares cruzados!... desviados
Toques desejados!... ignorados
Apenas frio e silêncio,
Ainda que mal... amados.
Lembro-me de suas vazias palavras,
Últimas palavras
Negando o amor que sonhei,
Os momentos que sonhava,
Trazendo-me o vazio,
o vazio de suas palavras.
Saudades do que eu era,
Completo com o nada
Saudades de você...
Saudades do nada.
            
Selaht (um amigo..)

terça-feira, 16 de março de 2010

Por se falar em vida...


Há muito tempo José não olhava com aquela insistência toda para qualquer mulher. Não era uma insistência de tempo, nem tampouco de frequência ou intensidade. Era uma insistência incompreendida de eternos milésimos de segundos mudos, em que o fato de algo mágico estar acontecendo é aceito por ambos, mas sem que qualquer um fizesse ideia do que se passava.
Embora não houvesse a intenção de se repetir, o momento se multiplicava a cada oportunidade, numa gênese  que só aparentemente era involuntária. A sensação estranha era plasmada num misto de rudimentar delicadeza e incômodo, e talvez por isso a sensação de tudo ser tão gratuito e frio e, ainda, inoportuno, por mais inapropriada que pareça a palavra.

Aliás, nesse momento, palavra alguma era bem-vinda. Todas falavam demais, intensionavam demais, gritavam demais. Aquele vácuo, embora incômodo, era o melhor que Deus lhes podia dar.

Ainda que fossem momentos mudos, ele sabia que ela também desfrutava de toda aquela incompreensão. Sua resposta física era tão igual à dele, com um quê de indiferença, outro quê de orgulho e, como se não bastasse, uma vontade louca de conferir se aquilo era apenas um banho de cachoeira ou era o magnífico encontro do rio com o mar.

Os olhos de Ana não fitavam e não eram usados para flertar, já que não queria fazer deles armas de sedução, quando eram tão somente mais um meio de comunicação almático.
Quisera ela poder fechar os olhos naquele momento. Mas não podia. E cada vez que o momento se repetia, sentia-se desnuda, atingida, invadida.

Mas Ana era Mulher. E como Mulher que era, não podia fingir que nada acontecia. Aproximou-se de José, como uma presa que se aproxima de seu predador, sabendo de todos os riscos que corria e desejando-os. Teria que parecer que era presa fácil, para então mostrar que em verdade, era uma assassina de momentos mágicos indeléveis, a leva-los à travessia da morte, tornando-os carnais.

Sutilmente, aproximou-se de José e deixou que os tais momentos de olhares mudos fossem engolidos pela cruel e massacrante comumez dos tempos. Tudo era tática. Ela precisava fingir ser normal, fingir não perceber os carinhos dos olhos para que a aproximação fosse realizada.
E ela se fez.

José reparou a aproximação forçada, sistematizada, maquiavélica e pontual e gostou. As almas estavam ali, entrelaçadas. Os corpos… bom… isso era coisa de vida… e há muito mais coisas no mundo que simplesmente vida…



quinta-feira, 4 de março de 2010

eu...



(e meu nome..)
Gosto de palavras
assim, sem nexo, sem causa nem
brasa.
rio sempre de mim, principalmente depois que a chuva passa.
inquiro-me sobre meus sentimentos, pensamentos...
          [a verdadeira cor do céu, a
elegancia do ar que respiramos, a cor e o cheiro da
lua, da alma dos olhos, da
liberdade.
aaaaaai que delícia! Amo pra sempre!
Minha boca ri e meus
olhos falam
concomitantemente, sem
hesitação, como se nada
impedisse que dois
zumbidos ocupassem o mesmo lugar no espaço.
uivo só, de madrugada, e ele é ouvido até em Madagascar,
          [Machu Pichu,
Kosovo, supermercado ou por ai... e por ai...
ihhhh... me perdi!
Os outros bocejam....
leio um livro e quando menos percebo,
inteiro-me no berço e lá dentro
vejo que meu mundo é sono.
entrego-me ao ensejo
impetro minha vontade e vejo que do sono, acordo fácil...
roço minha imagem e compreendo que do sonho, só
acordo se desejo.