Reflexões de final de ano que poderiam ter ocorrido a
qualquer momento mas que, sei lá porquê, aconteceram em dezembro...
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Essência
Reencontrei alguns parentes. Alguns reencontros de encontros
recentes. Outros, antigos. Juntos, aquele arranjo todo, há muito não se
repetia.
Em setembro, reencontrei virtualmente um amigo com quem não
trocava palavra há quase quinze anos. Hoje, amigo. Há quinze anos atrás, namorado.
A ceia natalina não poderia ser diferente de todos os outros
encontros, já quase esquecidos, em que nos firmava como família a saudosa
matriarca: leitoa, uma garrava de champagne (pras famílias quem só abrem pra
comemorar a data e que, no final da noite, saem recolhendo copos meio cheios
pelos cantos), arroz branco, salada e sobremesa.
Com ele, comida chinesa. Ele me buscou e pagou o almoço. Na
nossa época, sanduíche, coca-cola, futebol de sabão e cinema. Chegávamos de
ônibus ou papai levava. Cada um pagava o seu.
As conversas de sempre, que acontece em toda ceia, pela
primeira vez na nossa. O fulano que sofreu nova cirurgia; a sobrinha que
descasou; a tia que descansou; o neto que aprontou; o sobrinho que voltou de
viagem. Por fim, as lembranças: as conversas em volta do avô, as comidas da
avó. As peripécias dos sobrinhos que hoje são tios. As lembranças dos que já se
foram. Os nomes esquecidos por tanto tempo, que alguém, no grupo, havia de
lembrar.
A troca de experiências, resumidas em poucas palavras cabíveis
entre garfadas. Nada de sentimentalismos. Nada de passado. Reticências. Interrogações.
Porquês sem respostas ou sequer pronunciados. Algum silêncio. Algum sorriso. Um
aperto de mãos. Um olhar amigo.
Os tios continuam os mesmos. O chato continua chato. O
engraçado, ainda engraçado. O carinhoso, mais meloso do que nunca. O ranzinza já
foi embora, pra variar. A tia que sempre cozinhou chega atrasada na festança
porque acabou de sair da cozinha. A outra chega com a panela. As primas com os
pratos. Os primos com os copos e as cervejas. A prima continua no espelho. A
outra, que levava o mesmo ursinho sujo pra todo canto, reclama do desapego
mundano. O primo continua curtindo com a cara de todo mundo e o outro,
remendando. Os agregados tentando entender aquele povo que se conhece há milênios.
As crianças brincando despreocupadas, netos dos antigos tios.
Eu ali, com ele. Juventudes deixadas. Vida adulta. Responsabilidades,
medos, ambições. Eu, querendo falar de vida. Ele, querendo viver. Eu, dando um
nó no cérebro, tentando decifrar cada gesto. Ele, observando e achando graça. Perguntei
se me reconheceria na rua. Ele respondeu que sim. Eu também, mas ele não me perguntou
nada. Eu, me desculpando pela falta de jeito. Ele, sorrindo, tímido, dizendo: “você
não mudou nada... nem eu!”