Intrigada com a liberdade (tanto com sua
presença como com sua ausência), item raro e portanto talvez supervalorizado,
questionei alguns amigos sobre seu preço e outros, sobre seu valor. Tive
respostas bastante interessantes – algumas demasiado petulantes, outras um
tanto piegas e outras tantas superficiais.
A maioria respondeu, quase em uníssono:
“não tem preço!”. Fiquei um tempo pensando se a mídia havia engolido parte
substancial da criatividade dos meus amigos ou se realmente a bendita – ou maldita
– não tem, de fato, preço. A quem me respondeu isso, ainda tentei forçar a
barra, mudar a pergunta, dar exemplos. Não porque não achasse que liberdade não
poderia não ter preço, mas porque queria algo mais. Queria mais palavras pra
dar conteúdo àquela expressão tão conglomerada.
Seguem abaixo algumas das (muitas)
respostas mais “...” (leia-se reticências entre aspas) que tive:
Para Clara, sua liberdade não vale nada.
Sim. Essa foi a expressão: não vale nada. Lara dizia não conseguir enxergar sua
própria liberdade como “algo”, assim, com início-meio-e-fim. Não porque não a
conhecesse, mas talvez porque a não (de)tivesse. Sua compreensão era tão
ilimitada que visualizar limites que a tornasse algo palpável e separada do
resto lhe era impossível.
Márcio respondeu-me que a paz era o
preço da liberdade; não era total, contudo. Nem a paz pela liberdade, nem a
liberdade pela paz, mas poderiam ambas ter pesos equivalentes, de modo que
talvez um escambo pudesse ser concretizado, desde que ninguém ficasse sem um ou
outro – ou teríamos uma ditadura. Imaginei a ditadura da liberdade. Boa ou má?
Joana, com sua alma imersa em dicotomias
várias, afirmou que a liberdade vale o amor que guarda em si; que sua liberdade
coincide com o tamanho desse amor. Esse conteúdo intrínseco, um emaranhado de
alguma coisa voadora, é o valor da liberdade. E o preço que se paga por ele é
uma família – não tão emaranhada. O mais interessante da visão de Joana, porém,
é sua afirmativa de que sua liberdade persiste em existir, mesmo sem que exista
“concretamente”. E mais: ela afirma que vale a pena a manutenção do que ela
chama de liberdade aprisionada. Sua liberdade mora na sua fé.
Pedro respondeu algo inusitado, porque
não era bem uma resposta à pergunta, mas talvez um campo de resposta: “faço
qualquer coisa pelo meu filho”. Lembrando que a pergunta foi “quanto vale sua
liberdade?”. Reticências. Interrogação. Algo parecia fora do contexto. Todavia,
Pedro merecia ter sua opinião pensada, porque estava na lista de seres
pensantes. Parecia demasiado longínqua da minha capacidade de compreensão,
embora eu fosse mãe de três filhos.
Na verdade, a resposta de Pedro me calou
por um minuto (inteiro – exatos sessenta segundos). Pensei nos meus, no quanto
eles valiam e no quanto eles custavam (tentei ser objetiva, óbvio) e indaguei a
mim mesma o que de maior eu faria por eles.
Respondi
instantaneamente, sem pestanejar e quase mecanicamente: daria minha vida. E foi
quando percebi que liberdade pode ser maior que vida. Sim, pode.
Indo talvez ao encontro disso, Laura me
disse que valorar a liberdade era algo muito estranho, porque não se valora
coisas “invaloráveis”, justamente porque, tanto o conceito quanto o próprio
valor dessas coisas caminham no tempo e nas circunstâncias.
Num dado momento, a liberdade pode ser o céu –
noutro, o inferno. Pode ser cara, barata ou justa.
Luana respondeu que sua liberdade valia
tanto, que a tinha que pagar em prestações!
Ana respondeu-me secamente: “Minha
liberdade não está a venda. A sua está?”
No dia seguinte, pra minha surpresa,
percebi que estraguei a noite de algumas pessoas. Me mandaram mensagens
acaloradas do tipo: “Não dormi essa noite pensando na minha liberdade.”
Fiquei imaginando se o final correto da
mensagem seria “, sua irresponsável” ou “, obrigado”. As mensagens que recebi
não tinham nem um nem outro dos finais que sugeri. Talvez ainda não tenham
terminado de pensar.
Mais algumas mensagens me perguntavam:
“e pra você?” ou “qual a sua conclusão?”. Devo ter decepcionado essas pessoas.
Naquele momento, não soube o que responder.
Dei um Google na liberdade e trouxe aqui algumas supostas frases com suas
supostas autorias.
Cecília Meireles, em sua genialidade,
pulverizou o sentido da liberdade em seu verso:
“Liberdade,
essa palavra que o sonho humano alimenta que não há ninguém que explique e
ninguém que não entenda”
Paulo Freire também andou dando seus
pitacos:
"A
liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige permanente busca. Busca
permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem
liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não
a tem. Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho, as pessoas se libertam
em comunhão."
Fernando Pessoa a definiu:
“A
liberdade é a possibilidade do isolamento. Se te é impossível viver só,
nasceste escravo.”
Woody Allen também:
“A
liberdade é o oxigênio da alma.”
Miguel de Cervantes respondeu à minha pergunta:
“A liberdade
é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os
tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus
abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a
nossa vida.”
Nelson Rodrigues também:
“A
liberdade é mais importante do que o pão.”
Bob Marley e John Lennon teriam amado a
liberdade pelo mesmo motivo, segundo o Google (risos):
“Amo
a liberdade, por isso as coisas que amo deixo-as livres. Se voltarem é porque
as conquistei Se não voltarem é porque nunca as tive.”
Fernando Sabino parece ter seu
pensamento coincido em algo com o de Joana:
"Liberdade
é o espaço que a felicidade precisa"
Simone de Beauvoir parece tê-la valorado:
“Que
nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria
substância.”
Carlos Drummond de Andrade criticou o posicionamento “das
gentes” frente à liberdade:
“A
conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira, que por medo da bagunça,
preferimos, normalmente, optar pela arrumação."
Vinícius (de Morais), a quem gosto de referir-me sempre
como se meu amigo fosse, por seus versos serem tão distantes da compreensão e
tão próximos da alma humana, abarcando assim toda uma coletividade, salpica a
liberdade em algumas de suas obras:
“Porque
o destino dos homens é a liberdade: liberdade para amar, para optar e para
criar; liberdade pura e integral, com a dramática beleza dos elementos
desencadeados a que se sucedem céus azuis cheios de luz. Liberdade para viver e
para morrer, sem medo. Liberdade para cantar seu canto rouco diante da carne
translúcida das auroras. Liberdade para desejar, para conquistar o que não lhe
é permitido pela estupidez da convenções e pela reserva dos bem-pensantes.
Liberdade para ganir sua solidão ante o Infinito. Liberdade para suar sua
angústia no Horto da dúvida e do desespero, e subitamente explodir seu riso
claro em pleno Cosmos:
- A terra é azul!
Esse é o grande destino do homem: remover os escombros criados pelo ódio e partir de novo, no vento da Liberdade, para a frente e para cima. Que venham os tiranos, que o prendam e torturem, que caiam do céu bolas de fogo - e ele levante-se, roto e ensangüentado, e com a força que lhe dá a Vida parte uma vez mais, em direção à Liberdade.”
- A terra é azul!
Esse é o grande destino do homem: remover os escombros criados pelo ódio e partir de novo, no vento da Liberdade, para a frente e para cima. Que venham os tiranos, que o prendam e torturem, que caiam do céu bolas de fogo - e ele levante-se, roto e ensangüentado, e com a força que lhe dá a Vida parte uma vez mais, em direção à Liberdade.”
(Trecho
de Hino Carioca)
“Amo-te
afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.”
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.”
(Estrofe
de Soneto do Amor Total)
“Ai
quem me dera ao som de madrigais
Ver todo mundo para sempre afins
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim”
Ver todo mundo para sempre afins
E a liberdade nunca ser demais
E não haver mais solidão ruim”
(Estrofe
de Ai, quem me dera)
Por fim, para subsidiar minha opinião
sobre o preço, valor ou conceito da liberdade, valho-lhe de uma tese e uma
talvez antítese de duas personalidades.
Primeiro, Antoine de Saint-Exupéry, cuja
maior obra nunca tive perspicácia suficiente para apreciar, parece ter afirmado
algo que limita demasiado a liberdade, embora seja um conceito bastante
libertador, se tivermos em vista a natureza ilimitada do pensamento:
“Só
conheço uma liberdade, e essa é a liberdade do pensamento.”
Por outro lado, Clarice Lispector, sem
definição, apenas afirmou:
“Liberdade
é pouco. O que eu desejo ainda não tem nome.”
Essa é a frase que levo tatuada, não por
acaso, no pé. A liberdade parece essa busca por algo além da liberdade. Além
desses conceitos trazidos duma genealogia tão relativa e circunstancial,
através de valores insuscetíveis de aferição talvez pela própria natureza do
objeto.
A liberdade tem um cheiro típico de todas
as flores – das mais singelas às mais peçonhentas. Tem cor de todos os ares e
textura daquilo que não se toca. Não tem limites, nem origens e também não tem
fim nem finalidade. A liberdade é um dever-ser constante. Está sempre à frente,
a um passo. Ela é atraente e arredia:
nascemos voltados a ela e a perseguimos momento a momento e, a cada centímetro
que caminhamos para sua direção, ela dá um passo à direção oposta. De fato,
liberdade é fé.
Ps.1: Tal como a liberdade, este texto
não tem fim nem finalidade. Continua, portanto.
Ps.2: Como eu disse, o texto continua.
Para postá-lo, procurei por imagens intituladas liberdade. Mais uma vez me deparei com a
surpreendente variedade de idéias. Não vou aqui me ater à certamente frustrante
tentativa de descrevê-las. Sugiro que o caro leitor vá curiar e saboreá-las com
seus próprios olhos e alma! Preferi, aliás, não postar imagem alguma.
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