Eis a menina
da boca torta
Menos menina
Um pouco mais rota
Um pouco antiga...
Mas sempre
Tão ela
Que chega dói.
Sendo o que foi
É o que nunca
Depois de uma volta
Sendo outrem
Antes que tarde
Se toma de volta
Sendo o que é
E jamais deixou de ser.
(autoretrato - frô)
quinta-feira, 31 de julho de 2014
sábado, 26 de julho de 2014
Mais um. Meias e poucas peças de roupas nas mãos. Puxou a porta entreaberta e saiu, silencioso. Na sala escura, apenas o abajur. Agarrou seus sapatos. Seu cinto. Abotoando a camisa, pegou as chaves. Puxou a maçaneta e dobrou o corredor.
Mais um. Chinelos nos pés e bermuda ainda aberta. Puxou a porta entreaberta e saiu, silencioso. Na sala escura, apenas o abajur. Chaves nas mãos. Puxou a maçaneta e dobrou o corredor.
Mais um. Um lençol envolvendo seu corpo. Puxou a porta entreaberta e saiu, silencioso. Esbarrou no sofá da sala escura, iluminada pela luz fraca do abajur. Tropeçou num monte de roupas. Vestiu as calças. Mãos cheias de panos. Puxou a maçaneta e dobrou o corredor.
O primeiro era contabilista. Havia acabado de sair do escritório
quando ela ligou, convidando-o para terminarem a tarde com um chopp. Ele
gostava de chopp. Ela sabia. Ele morava com os pais e era solteiro. Havia
terminado um relacionamento há cerca de três meses e estava na fase de conhecer
pessoas. Ele gostava de massas com molho branco. Gostava de Petit Gateau. Ouvia
Raul Seixas e se lembrava nostalgicamente de sua época de juventude. Agora,
aproximando-se dos quarenta, sentia que precisaria crescer. Não frequentava
terapia, mas tinha uma amiga com quem mantinha longas conversas pelo whatsapp.
Sempre que um dos dois precisava. Tinham a segurança de que o outro estaria a
disposição, para fazer as vezes do terapeuta que diz o que precisa ser dito,
chamando de filho da puta quando necessário. Tinha medo do escuro e sempre
deixava um fiasco de luz passar pela porta ou pela janela. Dizia que a pouca
luz fazia o charme ambiente. Mentira. Era medo. Medo do desconhecido que morava
na escuridão. Dependendo da situação, era pavor. Isso tudo porque, ainda na pré-adolescência,
os amigos aprontaram uma brincadeira de mau gosto, no escuro. Não esquecera
jamais das mãos, pés, braços.
Mas tudo isso não fazia sentindo pra ela. Um mundo que ela jamais conheceu e jamais conheceria. Ele dobrou o corredor.
O outro terminara recentemente a faculdade de medicina.
Tinha competência, mas por enquanto, preferia os chinelos. Não morava com os
pais; os pais é que moravam com ele. Gostava de filmes. Ação, ficção, romance,
comédia, cult, terror, suspense. Não gostava de drama. Bastava sua mente
dramática, que se assemelhava a uma esponja que se retorcia.
Também nada disso fazia sentido pra ela. Mais um mundo que jamais conheceu e jamais conheceria. Virou a esquina.
Todos os outros tinham sua história; seu mundo; seus pensamentos...
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