sábado, 26 de julho de 2014
O primeiro era contabilista. Havia acabado de sair do escritório quando ela ligou, convidando-o para terminarem a tarde com um chopp. Ele gostava de chopp. Ela sabia. Ele morava com os pais e era solteiro. Havia terminado um relacionamento há cerca de três meses e estava na fase de conhecer pessoas. Ele gostava de massas com molho branco. Gostava de Petit Gateau. Ouvia Raul Seixas e se lembrava nostalgicamente de sua época de juventude. Agora, aproximando-se dos quarenta, sentia que precisaria crescer. Não frequentava terapia, mas tinha uma amiga com quem mantinha longas conversas pelo whatsapp. Sempre que um dos dois precisava. Tinham a segurança de que o outro estaria a disposição, para fazer as vezes do terapeuta que diz o que precisa ser dito, chamando de filho da puta quando necessário. Tinha medo do escuro e sempre deixava um fiasco de luz passar pela porta ou pela janela. Dizia que a pouca luz fazia o charme ambiente. Mentira. Era medo. Medo do desconhecido que morava na escuridão. Dependendo da situação, era pavor. Isso tudo porque, ainda na pré-adolescência, os amigos aprontaram uma brincadeira de mau gosto, no escuro. Não esquecera jamais das mãos, pés, braços.
O outro terminara recentemente a faculdade de medicina. Tinha competência, mas por enquanto, preferia os chinelos. Não morava com os pais; os pais é que moravam com ele. Gostava de filmes. Ação, ficção, romance, comédia, cult, terror, suspense. Não gostava de drama. Bastava sua mente dramática, que se assemelhava a uma esponja que se retorcia.
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