Era 7 de maio de 2006. A barriga era redonda como a lua, ostentada pelo corpo franzino de uma mulher. Um corpo dentro de outro corpo, uma vida dentro de outra vida. Ninguém imaginava a quantidade de vidas que ainda se entrelaçariam.
O dia era
morno e o vento soprava leve. As árvores tremelicavam, saudando um guerreiro
que logo chegaria. As flores amanheceram mais coloridas do que nunca.
Ao
entardecer, nuvens brancas carregadas de energia cobriram a cidade, derramando
sobre a terra uma chuva morna e amorosa.
A noite
caiu. A lua era cheia. Ele logo chegaria.
Não sei como
foi, mas imagino que ele tenha dado trabalho. Seus ossos largos e seus olhos
feito jabuticaba madurando, castanhos e grandes, decepcionariam se o parto fosse
tranquilo.
Acontece que
o corpo franzino que ostentava a tal barriga era, na verdade, frágil. Frágil em
todos os sentidos: físico, psicológico, emocional,
espiritual.
Aquele corpo
franzino, na verdade, a genitora, falhava, dia após dia, na missão mais bela
dada por Deus. Era junho de 2008 quando ela desistiu. A força hercúlea que canalizara
para a barriga, durante a gravidez, dava seu último suspiro. Ela fez o melhor
que pôde. Não era que o amor era pouco. Era a força, mesmo, que lhe faltava.
Em
contrapartida, do lado oposto da cidade, uma outra mulher precisava de mais
matéria para segurá-la ao chão. Ela tendia a voos que considerava vitais.
Levitava sempre que podia, sempre que ninguém via. Mas Deus precisava que criasse
raízes, que fosse mais matéria nessa vida, em que ela, mesmo dentro de um corpo,
se sentia etérea.
Era dezembro
quando, durante o sono, o pequeno guerreiro, que já atravessara tantas batalhas
até aquele dia, revoltado, foi ter com seu anjo da guarda.
- Tá de
brincadeira comigo, né?
O anjo o
fitou, perplexo. Já ia respondendo que anjos não fazem esse tipo de gracejos,
quando o pequeno explodiu:
- Já ouvi
uns boatos por ai que querem me mandar para outra cilada! Quer dizer então que
nasço com a missão de ser um guerreiro, me colocam dentro do corpo de uma
mulher que mal consegue se sustentar, me fazem passar fome, frio e abandono e
agora, quando acho que meu destino vai se concretizar, e vou até uma família
que me dê suporte para vencer as tais batalhas, vocês querem me entregar para outra
doida? Uma doida que só pensa em voar?
De olhos
arregalados, o anjo suspirava. Abaixou a cabeça e mordeu os lábios. Aguardou o
ânimo do garoto se acalmar e, então, informou:
- Sua
primeira mãe precisava de um espírito forte e persistente para conseguir chegar
ao final da gravidez. Quando nascesse, ele precisaria de um corpo ágil e
perspicaz para superar as dificuldades materiais que viriam. Por fim, esse ser
deveria ter uma fé imensa, para confiar na vontade de Deus, já que Ele explicou
que a mulher nasceria com o título de GENITORA e passaria por uma prova muito
pesada, com risco de falha, para que fosse, por fim, batizada como MÃE. Mas mesmo
que falhasse, mesmo que ela o abandonasse, Ele, Deus, jamais abandonaria esse
filho querido. Precisávamos de um verdadeiro guerreiro para essa missão. O
espírito mais adequado que encontramos, capaz de vencer todas essas batalhas,
foi você.
O pequeno começou
a compreender que ele não se tornaria um guerreiro. Já o era. Indagou, temeroso,
se essa nova mãe que lhe dariam também estaria enfrentando uma prova passível
de falha, ao que o anjo respondeu:
- Tenho três
boas notícias para te dar, quanto a isso: a primeira é que você terá irmãos,
tios e avós abençoados, nessa nova casa. Mesmo que ela falhe, você não ficará desamparado.
Você deve ter consciência que isso é um privilégio de poucos.
A segunda boa
notícia é que essa nova mãezinha precisa de você, muito mais que você, dela.
Fique tranquilo. Ninguém larga uma tábua de salvação em meio a tempestade. A
caridade é sina de todo guerreiro. Você terá que ter paciência e ser caridoso
com essa mulher. E a terceira informação que você precisa saber, a mais
importante, aliás, é que Deus confia nela. Ele lhe deu o nome de MÃE, assim que
nasceu, sem qualquer teste, tamanha a confiança que tem nela. Por isso, aconteça
o que acontecer, Ele sabe que essa mãezinha jamais vai abandoná-lo, porque ela
é Ele, e Ele é ela. E com todo amor que ela te dará, você logo compreenderá que
você também é Ele, e que Ele também é você e nunca mais você sentirá fome,
sede, frio ou medo.
E assim, em
dezembro de 2008, compreendi porque no dia 7 de maio de 2006, o mundo inteiro acordara
em festa, florido, vibrando em saudação a sua chegada.
Você, meu
filho, colocando sua vida sob meus cuidados, sem saber, sustenta minha mão,
minha vida e minha alma. A você, minha gratidão e meu amor.
Desejo que a
natureza continue comemorando com você, pequeno guerreiro, por quantos mais
anos Deus lhe conceder – e que conceda o suficiente – com alegria, saúde e boas
vibrações. Juntos, somos mais. Juntos, somos um. E te prometo, meu pequeno, que
se aqui chegou um guerreiro pela força e coragem, daqui sairá um guerreiro da
paz, completo pela paciência, benevolência, justiça e amor.