- Sejam RESPONSÁBEIS! – falou ele, sobrancelhas arqueadas em
tom de superioridade, com o dedo indicador elevado à altura de nossos olhos. Os
mais desatentos tentariam corrigi-lo, antes que ele ratificasse a palavra,
dizendo: “Viver com RESPONSABEDORIA!”
Éramos cinco a olhá-lo atentos. Sua esposa o fitava com
carinho e todos nós outros, com admiração. Seu discurso ofensivo esclarecedor
nos repreendia e orientava: os formatos socialmente aceitos resultavam em
indivíduos com os bolsos cheios e vidas vazias. Na melhor das hipóteses, as
mentes enchiam-se de teoria, mas faltavam-lhes histórias, sabedoria.
O jovem, segundo ele, era ensinado a responder questões de
prova, resolver intrigas do ambiente de trabalho, solucionar embates teóricos
cuja satisfação resultaria em sucesso profissional. Não era ensinado, contudo,
a lidar com os anseios que a vida lhe guardava. “O problema,” prosseguiu, “é
que esse é o tipo de ensinamento que não pode ser repassado nem pelos mais
brilhantes professores ou doutrinadores, filósofos ou sociólogos; somente pela
própria vida.”
Cabe-nos agora questionar: de qual vida falamos? A vida em
que se estuda, se forma, se consegue um bom emprego, se casa, se tem filhos e
vive-se felizes para sempre – ou não.
Não. A lição dessa vida socialmente construída, dentro de
padrões pré-estabelecidos, limita-se a nos ensinar a passar pela vida – e só.
Essa vida normal – palavras dele – é a constância que leva
qualquer indivíduo a uma felicidade medíocre, no melhor significado da palavra.
Não se está dizendo em felicidade falsa ou rasa, mas mediana, comum.
O ensinamento que enche a criatura de coisas outras e que
lhes agrega uma felicidade antes inimaginável – originada de experiências,
desejos, reflexões, medos e superações – não vem da vida comum, da estrada
reta, devidamente pavimentada e bem sinalizada, que nos permite viajar a
duzentos quilômetros por hora e chegar a todo e qualquer destino planejado.
A felicidade
diferenciada é aquela que sentimos ao encontrar belezas após a curva sinuosa da
ruazinha de terra cuja entrada se vê à margem da rodovia – aquela impossível de
ser vista pelo condutor a duzentos quilômetros por hora.
Pra saborear esse caminho, é necessário abandonar o asfalto,
os planos bem bolados. É necessário ter coragem de ir sem saber pra onde, sem
saber o que vai encontrar e sem sequer ter a certeza de que vai encontrar
alguma coisa – nem sequer um posto de gasolina.
Acontece que é justo quando o combustível acaba que se
descobre o tamanho exato do tanque. É então que, no meio do nada, isolados do
resto do mundo, nos deparamos com questões mais graves e sinceras. E agora? A
faculdade não ensinou. O pai não educou. A igreja mandou ter fé, mas não
desenhou a solução. Platão questionou, Sartre teorizou, Nietzsche devaneou, mas
nem Zaratustra deu a resposta.
Acontece que é no caminho – seja adiante ou de volta – que o
perdido encontra a si mesmo, encontra desconhecidos que lhe dão carona e acabam
dando carona em suas viagens mentais que, mesmo pé ante pé, transportam os
viajantes de um mundo a outro. É nesse caminho que se saboreia morangos
silvestres, que se mergulham as mãos em sacos cheios de cereais ou se jogam
inteiramente em piscinas de spaghetti. É nesse caminho que se aprende a brincar
de mímica, que se aprende que sexo não é amor e se memorizam livros antes de
serem queimados. É nesse caminho que se aprende que calar é mais complexo que
dizer.
E então, ao final da jornada, talvez um pouco mais
encontrado, talvez um pouco mais perdido, o indivíduo olha para frente e olha
para trás. Olha para os lados, pra cima e pra baixo e sente-se fundido ao
mundo.
Após a palestra dada na mesa amarela de bar, cervejas
derramadas nos copos e cadeiras de plásticos transformadas nas mais confortáveis
poltronas, questionei-me se a melhor educação visa chegar ao destino
pretendido, pela rodovia bem sinalizada, ou se visa o perder-se no mundo.
Consegui, naquele momento, visualizar a escolha inconsciente dos meus pais.
Acontece que, perdida entre dois mundos, não encampei nem
uma nem outra causa. Flutuando entre as existências, perguntei ao douto palestrante
se o melhor era o caminho do meio, ao que me respondeu com sorriso malicioso:
“Não há caminho do meio. Tem-se que escolher. O único caminho realmente necessário
para sentirmos o mundo com intensidade é o que nos leva a nós mesmos. Mas não
tire os olhos da rodovia.”
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