Bia tinha uma tendência estranha de sempre desaparecer pelo outro, permitindo-o surgir em sua mais ousada pose e caminhar
linearmente em sua egoística vida. O outro aumentava, se traduzia, se moldava, enquanto Bia servia,
assistia, se adequava. Ao final de tempos, ela ganhava transparência, se tornando
invisível, até que lhe restava tão somente a sombra do outro,
misturado com sua sobra.
Inesperadamente, Leo surgiu. Apareceu para Bia, como mato
que brota, sem ninguém plantar. Tão fugaz, que não lhe deu tempo para que deixasse de
ser Bia, para que se adequasse e lhe lhe servisse. Tão repentino, que não deu a ela subsídios para entender do que
ele precisaria para ficar. Tão urgente que sequer cogitaram pousar ou transitar.
Apenas eram.
Leo servia de si para si – parece (Bia não teve tempo, repito, também, de analisar se ele era como erva daninha ou se (lhe) traria flor). Com
ele, que não precisava nem pretendia, podendo ser, Bia era. Era sujeito, vontades e ação. Bia era afirmativa e negação. Era cheiros, gostos, sentidos, prazeres.
Era objeto – porque assim queria, e não porque tinha que ser (a diferença é
tênue, mas fundamental).
O perecível é o complemento que os deixavam ser quem quisessem
– Bia e Leo, sem o “dever ser” de coisa alguma, nem mesmo eles em essência. Nenhuma
tentativa vã de trocas com intenções diversas do mero desejo de darem e
receberem sorrisos e suspiros gratuitos. A gratuidade era o presente e o presente era
graça. O amanhã era esquecido, sem a obrigação de tornar perene, o hoje.
A fugacidade é grito. É presença e é ausência. É o ponteiro que
se move imperceptível. É ligeiro a ponto de doer; mas é também a ponto de flutuar,
leve. Leo trazia para Bia – e Bia para Leo – o negativo do “dever ser” e sua
lascividade imperiosamente excitante.
Inexistindo o amanhã, apenas não existirá o que nunca
existiu, e Bia sentia-se abraçada por esse incontrolável nada. Percebendo a
transitoriedade de Leo, Bia quis o hoje. Quis o hoje mortal, dia após dia. A
eternidade, tão natural em Bia, calou-se.
Fenômeno tão inexistente quanto o tempo, Leo sublimava sua
própria existência. Quis a morte do hoje e sua reaparição amanhã. Amanhã, não. Outro dia. Fosse quando fosse, sabia, queria, quereria e não se resignaria. O tempo não o intimidava - tinham a mesma natureza volátil, irrequieto e envolvente.
Uma realidade paralela, ilimitada e interrogativa os cercou e a transigência entre eles tornou perene seus agoras – incontáveis – ainda
que em pensamento e energia.
E assim, não sendo obrigados, o futuro também não.