segunda-feira, 18 de novembro de 2019
Entre os meus e os seu olhos, havia algo como uma ponte, entre névoas e nuvens. Do lado de lá das águas da cachoeira fria - eu podia sentir - havia algo que há muito eu buscava, ainda que não soubesse exatamente do que se tratava.
Tive medo, não nego. O errado e o certo se misturavam - justificativas injustificáveis para meu trágico fim. O que poderia valer tanto? Fosse o que fosse, valeria?
Meu corpo, estático, não se movia. Minha mente, letárgica, se negava pensar. O instinto aflorando, emergindo das profundezas do mais distante eu, fazia cócegas nas palmas das minhas mãos. Faço o quê, meu Deus!? - eu perguntava.
A mente se colocou a questionar e, a cada interrogação, o instinto a calava. Amordaçada, adormeceu. No escuro das palavras agora poupadas, o silêncio. Ouvi, longe, os passos de algum instintos demasiado primitivo se aproximando.
Nos olhos seus, apenas a vontade de me tragar. Meu peito clamando a entrega da minha alma, gemendo em sussurros no ventre que lampejava. Sua boca sugava - minha força, meu desejo, minha guerra.
Lá dentro do meu mais íntimo, contudo, me mantinha firme, negando. Sabendo que não deveria ficar, porém sem a mínima vontade de fugir, desisti de lutar, doando-lhe meu corpo - enquanto a alma restava.
Olhos atentos, coração em canto. Espírito em pranto, brando. O reencontro urgia. Com quem?
Nas mãos segurando as minhas, nas mãos segurando minha carne, nas mãos segurando meus cabelos, tinha mais que instinto - eu sentia, sabia. Que língua era aquela que se falava, que eu não conseguia entender? Não era sexo e não era amor. O que mais haveria de ser?
A agonia me tomava a cada segundo de distração.
Inspira. Instinto. Por dentro, ebulição.
Até que, repentinamente, a ponte foi passada. O passado virou presente e o futuro não importava. Fusão. Água gelada. Todos os vidros trincados. O instinto verdadeiro emergiu.
Não, não era a perpetuação. Não ali. Ali, naquele momento, era só a fêmea quem surgia, no espaço que me restava. Não se tratava de servir para algo, mas a alguém. Eu me colocava no lugar onde você ordenou que eu ficasse, a serví-lo em troca de me permitir a existência densa. Eu lhe servia de mim: Toma. Toma-me.
O universo além era você. Nada mais. A mim não restava alternativa que não fosse ser o mínimo, apenas a essência. A mim, cabia apenas a fêmea em eterno cio.
Rugia, livre dos grilhões que outrora a anulava. Foi se acalmando ao melodioso som da sua respiração. Então, ronronava. O instinto ocupava seu lugar na cama e no meu próprio eu, na fortaleza que ao meu redor, você formou. Encontrei minha resposta no feminino que sou - enterrada entre milhões de histórias somadas, somatizadas.
Entre mares e montanhas, entre furacões e tempestades, ali eu poderia (res)surgir, sem risco, sem medo. Nada me prometiam, nada me alcançaria, ninguém me machucaria. Minha respiração era sua. Você me resgatava de mim.
Virou a folha que restava. Nos seus olhos - agora tão próximos dos meus - eu me reenxergava, me ressignificava, me reencontrava, revia, revisava.
Talvez você não tenha percebido a cratera deixada - simplesmente se dando de presente pra mim, sem esforço, bastando ser.
Você fechou o livro, findo. Assinou sua co-autoria e sorriu. Sumiu, deixando-me a remendar. Sim, eu sei: ele (o livro) é meu.
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