Ela corria num ritmo calculado, para que ficasse sempre no
meio das demais competidoras, sem que tivesse toda a sua força exaurida antes
do término da corrida.
Suas pernas musculosas suportavam as pancadas do chão. Seus ossos
preparados lhe davam a sustentação necessária. Seu corpo estava totalmente
preparado para suportar toda a maratona.
A beleza parecia correr-lhe pelas veias. Embora nem sempre
tivesse sido assim, sua maturidade lhe trazia também um brilho inesperado. Os
sulcos ainda não se haviam cravado na testa nem nas maçãs e o olhar estava
mais reluzente do que nunca.
Alguns, admirados, confundiam seus olhos fatigados com olhos
sonhadores. Pouco sonhavam, pouco enxergavam, os olhos na verdade
neutralizados.
Por já não querer provar nada pra ninguém, por já não querer
convencer ninguém de nada, sua companhia tornara-se mais que suportável; talvez
agradável. Sim, era bastante razoável a confusão de olhos.
Por ela passavam amores, quase amores e desamores; sabores e
dissabores, enquanto continuava a correr. Seu corpo estava preparado para
suportar o ar rarefeito, queimado pelo sol junto com o solado do tênis que ia
ficando, passada após passada, no asfalto.
Derretia a borracha e derretia a alma, em forma de suor. A
transpiração a secava. Cada gota salgada dos poros, que se misturava com
toda gota salgada dos olhos, a secava. A cada gota que caía, chegava mais próxima
do chão ela, também.
Uma boa alma, talvez paga surpresa, entregou-lhe um copo d’água,
aberto. Ela corria sem parar e, sem parar, despejou a água na face, no corpo e
no peito, fechado.
Uma boa alma, talvez pega de surpresa, se destacou entre
tantas almas aos olhos dela, certamente pega de surpresa. Ela, correndo, fitou.
Os olhos se encontraram mas, correndo, se distanciaram.
A maratona ainda estava na metade. De desistir, tinha sim, tinha
vontade. Suas costas não se cobriam somente pela fina malha enumerada. Outras camadas
densas invisíveis e pesadas a obrigavam a, disfarçadamente, se curvar. Ninguém
notava. Precisava da medalha de participação, precisava concluir a prova.
Sua beleza não lhe servia para aliviar a corrida; seu físico
era só a sustentação. Corria, displicente. A beleza das ruas não mais a distraía.
Nem a beleza, nem a sujeira. Nem a gritarias das multidões, nem o ruflar das
asas do pássaro que a sobrevoava. Queria ela também voar.
Voar ainda com as camadas nas costas. O ar, também invisível,
a ajudaria. Voaria sem deixar nada, nem rastro, nem ódios, nem amores, nem dores,
nem sonhos, nem frustrações, nem reclamações. Não ousava, aliás, reclamar. Seu
suspiro era nada mais que um renovar de ares dentro dos pulmões. Oxigenava seu
sangue, suspirando. E mais uma vez, o ar provava que estava ao seu lado.
A maratona terminaria, em fim, um dia. Um dia, voaria. Pra
bem alto, pra bem longe.
uau! não deu pra parar de ler... que texto forte e poético.
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