Friso que o presente não é uma crítica. Antes, pretendo que o enxerguem como um convite a pequenas viagens.
A fotografia tirada de si mesmo, selfie, caiu no gosto do mundo. Eu, sempre que posso, ouso algumas poses.
Nas redes sociais vejo mais selfies do que qualquer outra coisa. Todos querem registrar momentos, deixando bem claro que estavam la ou que estavam acompanhados de fulano ou ciclano, normalmente gente por quem se nutre alguma consideração.
Hoje, porém, vi uma cena que me fez refletir. Uma garota aguardava atendimento no órgão em que trabalho. Sentada numa daquelas cadeiras de recepção, levantou o braço com o celular na mão. Fez biquinho. Depois, virou um pouco o rosto e estreitou os olhos, na tentativa de uma foto de "quase perfil". Jogou o cabelo todo para um lado. Acho que ela pretendia uma pose sexy. Só acho. Confesso que fiquei olhando com cara de curiosa, ou coisa pior. Não achei aquela cena nada sexy.
Dai em diante, não consigo segurar minha imaginação. A cada selfie que vejo, penso em como foi o momento daquele clique.
Repiso que não pretendo fazer chacota das fotografias e do modismo que, aliás, eu mesma aderi. Não estou criticando o resultado, a fotografia de si mesmo, nem tampouco a possível vaidade ou narcisismo embutido ou o simples desejo de compartilhar. Estou, ou pretendo estar, desenhando pontinhos de interrogação sobre o momento em que aquela fotografia foi tirada. Estou convidando a imaginar toda a situação daquele instante. Falo de tempo, não de matéria.
Se algumas selfies sequer nos lembrem serem selfies, porque todo o contexto nos transmite o registro de um local, de um momento ou de um estado pessoal que parecem justificar você, segurando seu aparelho fotográfico, você clicando e você aparecendo, há outras que nos forçam a imaginação. Eu mesma já tirei fotos minhas com uma parede branca ao fundo. Quis mostrar minha felicidade, minha identidade. Mas admito que, lembrando, eu devia parecer meio retardada pra quem me visse. Não é atoa que as cliquei sozinha.
A despeito do momento poder ser, de certa forma, digno de vários adjetivos (bons ou nem tanto), acho que nunca reparamos mais em nós mesmos como agora. Nossos defeitos e qualidades faciais têm sido milimetricamente analisados por nós, por nosso self. Já ouvi comentários como "fica do lado de ca porque meu ângulo bom é o da esquerda" ou "tira de cima pra baixo porque meu nariz sempre sai estranho se tirada de frente". Somos autoanalisados fisicamente a cada selfie tirada e publicada.
Então, imagino algumas poses solitárias, segurando o celular e o sorriso até conseguirem clicar no lugar certo, apertar o botão certo na distância certa e, ainda, buscando encontrar o ângulo certo, em segundos que parecem durar minutos, em "n" tentativas de desvendar o melhor de si mesmas. Imagino a foto com a cozinha ao fundo, deitado na cama olhando pro teto, na academia, dentro do carro, no elevador, na garagem, na varanda, na mesa do trabalho ou mesmo no banheiro. Como se chegou àquela imagem? O que se pensava? O que se intencionava? O que se enxergava? E a visão isolada da pessoa com a câmera na mão e sua própria análise daquela imagem estranhamente imaginável? Como se dá a autoanálise psíquica daquele momento? Incrível como dentro de cada selfie existe um mundo inteiro nos convidando silenciosamente para ser imaginado!
Talvez, depois de ler isso, você viaje a cada selfie vista ou, ainda, nunca mais queria tirar outra.
(frô - 03/2015)