sexta-feira, 25 de setembro de 2015















Não estranhe se um dia me ouvir:
“lembra, quando a gente...”
e você sinceramente não se lembrar!

Não estranhe, também,
se eu parecer conhecer
seus gostos e seus medos;
seus gemidos, seu silêncio.

Te leio tão bem!
Foram noites de tagarelice,
toques, suspiros, risos e aconchegos!

E você vai, imediatamente, pensar:
“Louca! Apenas uma noite e...!”
Eu sei, eu sei.

Mas é você quem não sabe
das noites que se desdobraram
dessa singela lua
no meu fértil imaginário!

Ah, mas como são lindas as nossas...
Oh, não!
As minhas!
Tão doces e ardentes recordações,
que não existiram

para mim, senão!

(frô)

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Um presente pro meu presente!


Quando o produzia dentro de mim, lia relatos de partos em que as mamães diziam “foi amor a primeira vista!” e esperava, ansiosa, sua chegada! 

No dia e hora marcados – sim, você foi pontual, por incrível que pareça! Hahá! – lá estava meu garoto, grande, lindo! Fiquei olhando pra você, esperando os sinos tocarem dentro do meu coração, mas nada. Não sentia qualquer coisa que se assemelhasse a aquilo descrito como amor a primeira vista, tão relatado. Haveria algo de errado comigo?

As enfermeiras deram o primeiro banho e o colocaram no meu peito. Você sugou, com força e deleite. As mãos tão pequenas, os olhinhos puxados.

Na primeira noite, você acordava e eu o acolhia. Não sei exatamente quem estava mais assustado, eu ou você. Acontece que, daquele momento em diante, não bastasse eu tê-lo, literalmente, feito, agora o sustentava por um produto meu, o leite. A dependência era tanta, que os limites de nossos corpos pareciam se cnfundir, mesmo depois da segregação. 

E o alimentar, o limpar, o acariciar foi trazendo um sentimento diferente de absolutamente tudo que eu conhecia. Até então, eu imaginava que essa dependência significava que você precisaria de mim, também, para aprender o mundo. Grande inocência, a minha! Você, me dando a primeira lição.

Em 2008, chegou um loirinho magrelo buscando um espaço na nossa casa. Foram dias difíceis. Chorei muito, porque ele não me aceitava como mãe, não nos aceitava como família. Era complexo demais pra ele, mergulhado em sua própria realidade. Era complexo demais pra mim, mergulhada em minha própria insignificância. Foi então que, no segundo dia, desisti.

Não mais suportava o desprezo. Não mais suportava o desespero. Não mais suportava a derrota, minha realidade, minha pequenez, minha incapacidade, minha fraqueza. O loirinho iria para outro canto, não para o nosso.

Entrei no carro, decidida a não mais voltar. Você ficou quietinho, no banco traseiro, me vendo chorar. Parecia preocupado comigo, mas não. Do seu jeito lindo, com sua vozinha abençoada, disse: “Mamãe, cadê meu irmãozinho? Côitadinho! Ele tá lá, sózinho! Vamo lá buxcá meu irmãozinho!” Olhei pra você e percebi que, enquanto eu me lamentava, enquanto eu pensava na desistência, enquanto eu me encolhia, você já havia resolvido as nossas vidas. Você foi o primeiro a adotar seu irmão.

Depois disso, compreendi que o aprendiz, na história, era, sempre fui e sempre serei eu.
Você, meu pequeno grande homem, não tem ideia de minhas lutas internas, de meus pensamentos, anseios, meus pesadelos. Não tem ideia dos meus sentimentos, dúvidas e angústias... muitos deles fundados em você, em vocês! “Só coisa ruim!”, há de pensar o desatento. Na verdade, só luz.

É no questionamento que encontramos a resposta. É na dor que encontramos o alívio. É na dúvida que encontramos a certeza.

É pelos meus três tesouros que todas, absolutamente todas as minhas dores, feridas, suores e lágrimas, sejam elas reais ou imaginárias, são doces, são flores, são mar, brisa e ar. E graças, especificamente, a você, são sóis. 

Obrigada por me ensinar tanto, por me aceitar como aprendiz, por me tornar produto seu. 
(frô - mamãe)

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

PertenSer


Nunca me senti parte desse mundo. Sei que não sou a única. Sei, também, que não é o mundo todo que se sente assim. Não que eu imagine que só existam duas classes de pessoas: os que sentem-se pertencer e os que sentem-se flutuar. Deve haver outros tipos, mas na minha pequenez, consigo enxergar apenas eu e o meu oposto. A sombra delimita a luz. O silêncio delimita o som. Eu delimito o que não sou.

Na infância, apenas sentimos e assistimos. O que nos parece aceitável, incorporamos, absorvemos. O que não é compatível conosco, refutamos. Na próxima fase, inicia-se o momento das expressões. Identificamos, então, aqueles que flutuam observando neles duas características quase antagônicas, mas intimamente relacionadas: ou exagera-se nas ações, comportando-se de modo excêntrico, eclodindo no universo, como se não seguir o resto do mundo fosse um grito de liberdade; ou exagera-se nas omissões, apático ao mundo, evitando ser visto, como se aceitasse essa segregação silenciosamente. Em ambos casos, há sofrimento.

Adultos, chega-se à fase mais crítica de nossas existências.

Torna-se nítido o precipício existente entre o que somos e o que a sociedade espera de nós. Com certa consciência sinestésica, torna-se nítido, também, que a sociedade é um conjunto com regras, cheiros, construções e sentimentos próprios, enquanto nós... simplesmente não somos ela. Temos regras, pensamentos, cheiros, sons, construções, sabores e sentimentos também próprios. Somos indivíduos alheios. Somos outro.  

Muitos flutuantes, numa rebeldia gritante, rompem a pouca ligação consciencial de pertença que existia (a necessidade social de pertencer; diferente do sentimento de pertença nato) e partem para desbravar o universo. Muitos abandonam lares e colecionam experiências de mundo, de vida sem, contudo, fixar-se nas regras do cotidiano social, muitas vezes mal suprindo as próprias necessidades.
Essa rebeldia é apenas um dos possíveis caminhos. Outro, que suponho o mais difícil, é justamente o oposto. É o “apesar de”. É o “embora”. É o “mas”.

Sem qualquer sentimento nato de pertença, percebe-se que se vive nesse planeta. É fácil raciocinar que, se consciências tão variadas coexistem, há uma natureza idêntica que permite tal existência simultânea num único plano.

Resigna-se com as discrepâncias e percebe-se que só nos resta viver. Aprende-se, então, a conviver. Suporta-se as regras, mesmo que tolas. Suporta-se ações ilógicas, reações insensíveis. Suporta-se pensamentos que se opõem não só ao seu, como à própria existência. Suporta-se o sofrimento do outro pela alteridade. Suporta-se seu próprio sofrimento pela igualdade. Suporta-se o sofrimento, também, pela necessidade premente, mas trágica e, em regra,  contida, de romper com as fronteiras do ser, deixando-se de ser.

Em seu turno, abdica-se dos gritos e das revoltas e vive-se observando, absorvendo o que nos apraz e refutando-se silenciosamente o ônus, tratando de proteger o coração e a consciência das dores, temores e tumores, pelo exercício da seleção.

A vida, com seus percalços e suas surpresas, muitas vezes nos direciona a essa percepção. Fixa-nos ao chão, impedindo-nos de flutuar e, ainda que o sentimento de pertença não nos invada, aos poucos percebemos que a sociedade é uma ideia, assim como suas regras. A inteligência alheia, percebemos, não é parte desse todo. E o todo, nada mais é que o planeta, inconsciente de si, ostentando tão somente sua existência, em sua constante rotação.

É então que passamos a compreender o pertencimento de um modo diverso. Passamos a entender que o todo que refutamos é tudo, exceto nós. Por outro lado, todos os outros seres vivos, principalmente os conscientes, são inteligências individualizadas que, no máximo, sentem pertencerem-se, embora não sejam o universo. Acontece que, a partir do momento que se sente pertencer, automaticamente, são. Parece paradoxal, e é. Mas um paradoxo que coexiste, já que, no nosso menor, animados ou não, somos iguais que se misturam, se fundem. Somos um.

Aurindo dessa compreensão, o verbo “suportar” perde a natureza de ônus e ganha conotação de superação. A compreensão traz consigo o sorriso e a paz. E assim, mesmo sem sentir que pertencemos, passamos a aceitar que pertencemos, que somos, querendo ou não.
Aos poucos, percebemos que o sentimento de pertença é encontrado na empatia, que se esconde na mais profunda intimidade das relações entre todos os seres do universo. E assim, compreendemos, instintivamente, Gaia, a existência holística que somos.

(frô)