Querida
B-ju, a pequena borboleta.
Sei que
anda ansiosa, por ainda não saber qual a cor que suas asas vão tomar. Vou dar um
palpite: desconfio que serão multicoloridas, com mais cores que o arco-íris.
Você é uma borboleta de sorte!
Imagino que esse momento seja um tanto doloroso.
Romper o casulo e irrigar as asas não deve ser tarefa fácil. Eu, como pássaro
que sou, já nasci com minhas asas cor de anil; não passei por esse momento (ou
seria tormento?). Desde muito nova, voava no céu azul. Preferia os céus sem
nuvens, claros, sem os mistérios assombrosos da neblina, sem a escuridão regada
pela fria lua.
Já você,
logo iniciará seus vôos. Verá que suas melhores e mais incríveis descobertas em
terra eram meros experimentos para a nova realidade que exsurgirá à sua frente.
O mundo, la em cima, é bem diferente, cheio de sensações que certamente vão
fazer você perceber como é abençoada por ter asas, por ser uma borboleta!
Quanto a
mim, reparou bem. Não sei voar. Não mais.
Vou te
contar uma pequena história da minha vida.
Nasci
nas alturas, com asas fortes e bem estruturadas. Vivia voando de norte a sul.
Às vezes, pousava sobre o telhado de algumas casas e ficava lá, observando,
descansando minhas asas sobre as cabeças de seres que as não tinham. Vi nosso
querido Sol nascendo e se pondo de ângulos que você jamais imaginou, com cores
que nem mesmo os grandes artistas conseguiriam expressar. Vi luas sorrindo e
luas sangrando. Vi estrelas nascendo e vi estrelas morrendo. Tive medo e
regozijo nos céus de cores alaranjadas.
Certa
vez, senti uma perigosa atração por uma dessas nuvens densas e cinzentas. Mais
tarde saberia que ela, a atração, era física. Esse tipo de nuvem emite uma
energia tal que atrai os pequenos e indefesos pássaros. Mas até então, eu
desconhecia esse fato. Assim que entrei, não consegui mais sair. O atrito entre
as moléculas – como eu disse, é física pura – produz energia, que queima,
eletrifica. Me vi presa de nuvem, dentro dela, que me matava aos poucos. Num
dia claro, rezei. Pedi que meu Pai Sol, que ilumina todos, me iluminasse
também. Ele me atendeu de imediato e fez aquela nuvem se desfazer. Eu, já sem
forças, não consegui voar. Cai com a chuva. Ao acordar, senti dor. Minhas asas
estavam quebradas.
Há
seres, minha cara borboleta, que não precisam de encontros para voar. Precisam,
sim, de asas sadias, como eram as minhas. Eu, e com isso quero dizer “eu
sozinha”, me bastava para belos e maravilhosos vôos. Particularmente, o encontro
quebrou meus finos ossos, ao invés de me libertar.
Muitas
vezes tentei consertá-los. Tentei substitui-los por pedaços de pau. Tentei até
que um ser humano cortasse minha pele e os colasse, com cola, mesmo. Tudo em
vão. Por isso, agora, contento-me na contemplação. Meus vôos acontecem no meu
céu interior. Tive que aceitar essa realidade e aprender a viver assim, se
quisesse sentir o gosto, mesmo que encapsulado, da felicidade.
Ao
receber sua carta, preparei-me para convencê-la de que voar pode ser muito
perigoso.
As
borboletas, não sei se você sabe, podem voar a pouco mais de mil metros de altura.
Poucas se arriscam, por inúmeros motivos, como o medo do chão e o medo do Sol. Se
minhas asas se quebraram, foi também porque me arrisquei demais. Não tive medo
da assombrosa nuvem cinza.
Não te pedirei que não voe o mais alto possível,
contudo; peço que se afaste dessas nuvens que te trazem sensações físicas
inexplicáveis (agradáveis ou não). Isso porque temos no mínimo mais dois corpos, além do físico,
que é o mais denso. Satisfazendo-o, ainda restarão outros dois esfomeados.
Cuide para que possa agradar aos três.
Quanto
ao chão, não tenha medo. Dele não passará e a ele retornará. Já o Sol – ah, o
Sol! – cuidado! Você sentirá suas asas trepidarem se chegar perto demais. Vá
até o seu limite. É bem perto dele que você verá as mais belas paisagens e terá
as mais importantes experiências. Como eu disse, são poucas as ousadas. Você
certamente será uma dessas.
Mas olhe! Se um
dia eu tentar te convencer que o amor não existe, lembre-me que minhas asas
quebradas são provas de que mesmo no engano, o amor vive na reles existência, ainda que não em sua finalidade. Lembre-me,
também, que sem aquela densa nuvem, sem aquela terrível queda, sem a
inesquecível dor dilacerante da fratura, eu jamais teria aprendido o valor dos
valores.
Em fim,
cara borboleta, se voltarei a voar ou não, não sei. Do jeito que avança a
medicina da alma, talvez ainda seja possível, um dia.
Certamente estou agindo
errado, tentando consertar a mim mesma, para que possa voltar a voar sozinha. Certamente
eu deveria aceitar a ajuda de seres mais leves, como o vento, que nos carrega
com seu sopro suave, fazendo-nos bailar em sua harmoniosa melodia.
Na carta
que me remeteu, você disse que temos a (doce) missão de esperar pelo
“reencontro, que nos traga um sorriso, um longo abraço, um acalento para o
peito cansado, um encontro de almas que precisam estar próximas para se
sentirem inteiras”.
Reconheço
meu erro em nomear de crença, minha fraqueza. Livrar-me-ei de minha prepotência,
minha autossuficiência (tão insuficiente) e de meu individualismo que insistem em me abraçar numa insossa tentativa de sobrevivência. Reaprenderei a voar em
melhor companhia que minha sombra vazia.
Aguardemos,
pois, nossos bons ventos!
(frô)
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