José vestiu-se rapidamente. Olhou para Ana, que ainda dormia. Aproximou-se de seu corpo e sentiu seu cheiro. Um perfume suave que lembrava terra e ar. Lembrava abrigo mas, antes, perigo. Ali estava absolutamente tudo o que José temia e evitava. Estava tudo o que José desejava e aceitara. Sabia que a reciprocidade era certa, mas faltava a cumplicidade. Ana já estava resolvida com seus limites intransponíveis. O desejava e o amava, mas acima disso, o temia e o evitava. José, então, afastou-se silenciosamente. Era o melhor a fazer. Era o que lhe restava.
Desperta pelo tempo, Ana abriu os olhos. Percebendo a ausência
de José, procurou ao redor, confirmando que ele já não se encontrava. Vestiu-se
com a calma de quem não compreende o que se passa. Antes de sair, porém,
deparou-se com um espelho. Seus cabelos estavam cumpridos e seus olhos, fundos, profundos.
Não sabia quanto tempo havia se passado. Lembrava-se de José e se perguntava
porque não a acordara. Nada havia o que fazer naquele quarto. Ganhou a rua.
Os primeiros cinco metros foram conquistados com facilidade.
Avançando, perdeu os sentidos. Abaixou-se e inspirou todo o ar que lhe cabia. Um
vento gelado afagou-lhe o rosto. Pés no chão, sentia-se volitar e isso a
incomodava. Tentava caminhar, mas parecia flutuar. O ar dos pulmões desapareceu
e na multidão buscou ajuda. Do outro lado da rua, seus olhos pararam numa
silhueta conhecida. O olhar era amistoso e o sorriso, radiante, embora não a visse. Gritou o nome
que lhe veio à mente, mas ele não ouviu. Antes, continuou caminhando na direção
oposta. Ana gritou mais alto. José continuou seu caminhar.
Juntando as forças
que lhe restavam, equilibrando-se sobre o chão que não sentia, Ana levantou-se
e caminhou para alcança-lo, pela calçada oposta, chamando seu nome. José
continuava com seu andar tranquilo, sem nada escutar. Ana percebeu que, pela distância
em que se encontravam, ele não a ouviria. Cogitou atravessar a rua, mas seus
pés estavam inseguros, tanto pela sensação de volitação quanto pela indecisão.
José entrou numa loja de flores. Ana o observava e
pensava que talvez fosse a hora de o alcançar. Colocou o primeiro pé no asfalto
quente, e entre um carro e outro, ganhava centímetro a centímetro. Parou, ao
perceber que José saia da loja com uma única rosa nas mãos.
Um carro que vinha a toda velocidade deparou-se com o corpo frágil de Ana. Os pneus deixaram marcas no asfalto.
Um carro que vinha a toda velocidade deparou-se com o corpo frágil de Ana. Os pneus deixaram marcas no asfalto.
Voltando-se para o estridente som da parada brusca, José viu Ana de pé, paralisada, vestido tocando
o para-choques do carro, fitando-o desesperadamente. Trêmulo, ele correu em sua
direção. Segurou sua mão delicadamente e delicadamente respirou seu ar. A cumplicidade que lhes faltava dançava entre seus poros.
Suas mãos devolveram a Ana o caminhar seguro e, juntos, silenciosamente, percorreram o resto do percurso
que um dia haviam planejado.
Não se contou o tempo ou o espaço que os separaram. Sabe-se apenas
que foi o suficiente para tornar suas mãos tenazes o bastante para enfrentarem
juntos todas as intempéries, conquistas, lágrimas, aventuras e felicidade
vindouras.
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