Começo a sentir a presença da velhice. Meus amigos riem.
As linhas se aprofundando na minha pele deram o sinal de sua
chegada.
Navegando entre os sulcos que começam a se formar embaixo
dos meus olhos, percebo meus medos que subsistem.
Esse foi o primeiro pensamento que tive, ao olhar a mulher
do espelho.
Antes de pensar nas minhas histórias, nas minhas conquistas
e desistências; antes mesmo de pensar nos sonhos realizados e nos planos que
ainda tenho, pensei nos medos.
Minha meia-vida chega – sou otimista. A vida, dobro-a ao meio. Meu
meio é meu início. Meu fim se confundirá com o começo – sou otimista.
Viverei
de novo o que já vivi ou viverei apenas o novo? Preciso aparar minhas arestas.
Preciso me curar da dor da gravidade. Preciso entender ou só devo viver? Acho
que eu já deveria saber. Mas não sei. Não é chegava ainda a idade da
contemplação? A idade de compreender que as coisas são simples e aceitá-las
como são? Ainda não tenho essa maturidade. Devo estar atrasada, porque ainda quero.
Ainda sinto. Sinto muito quando as coisas não funcionam como eu creio que
deveriam funcionar. Sinto muito um amor não vivido. Sinto muito um olhar perdido. Sinto muito as palavras engasgadas e ainda mais as mãos amarradas.
É chegada minha meia vida. Deveria eu comemorar? Daqui em
diante, dobro a esquina. Retorno rumo ao reinício. Mas antes de reiniciar,
terei um completo apagão em minha mente. Minha alma saberá?
Não sei. Ainda não é hora de saber. Deveria ser?
Deus meu! Tende piedade dessa moça questionadora. Moça, não.
Dessa mulher de meia vida. Me permita viver sorrindo, mesmo sem saber dos
mistérios do universo. Que minha ignorância me conduza à fé que esclarece direto
aos corações. Não é fé cega, não. É fé da compreensão íntima, entre almas que se comunicam sem palavras.
Dobro-a ao meio.
Ainda tenho o tempo que já vivi, a viver – já disse que sou
otimista.
Já passou meu tempo de errar. Preciso do acerto, porque pode
ser que eu não esteja exatamente no meio. Corro ainda o risco de me abortar. Acontece
que o acerto não dá garantias. A única garantia que dá o acerto é de ser a
única coisa verdadeira no mundo: a escolha, depois que se escolhe.
Posso estar no meio do tempo, mas o caminho não é o do meio.
O caminho é o caminhar. Pende para um e outro lado. Decide em bifurcações. Inspiro
minha coragem para viver em forma nova, todo o tempo que já vivi.
Não pretendo que seja tudo diferente. Pretendo que seja como
tem que ser. E será, mesmo que eu não pretendesse nada. Mas será o que eu
pretender, se assim o fizer. O farei. Deixarei para trás as flores que já me
deram. Deixarei para trás as almas que me abraçaram. Deixarei para trás os
beijos que recebi. Agora, o novo. O novo que pode ser novo e o novo que pode ser velho – como eu. Hoje, sou. Estou preparada para a próxima metade, assim como
sempre estive para o amanhã.
Minhas linhas ficam mais profundas a cada dia. Não sei como
será. Preciso correr. Não, não preciso. Preciso viver. Que sutil diferença! A
idade começa a fazer sua magia.
Olho no espelho a mulher com meia vida. Só meia, ainda.
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