Bia esqueceu a porta aberta. Leo espiou, mas não entrou, por
cautela e respeito. O combinado tinha limites: a sala ampla e impessoal,
durante o dia. Nada de noites, nada de acalantos, nada de horas mais que o
necessário para o objetivo comum.
Mesmo sem adentrar efetivamente aos aposentos de Bia, os
perfumes dela invadiam a sala opaca, suas vozes em cantoria, seus verbos em
poesia, a qualquer hora. A cada minuto que passava, a cada encontro, mais Leo a
conhecia. Quanto mais a conhecia, mais distraído ficava ao seu lado, e mais
transparente se tornava, mostrando seus terríveis pensamentos e seus doces e
humanos sentimentos.
No segundo dia do mês último, num encontro banal, suas
carnes se sugaram. Talvez fosse o álcool, talvez fossem as vontades, talvez as
saudades, mas algo existia ali que dava a Leo uma nunca antes vista tenacidade.
Naquele dia único, Bia enxergou uma realidade paralela que, mais tarde,
a confundiu. Estava encantada com o que vira, com aquele homem
inteiro, maciço. Estavam naqueles olhos não só a carne, mas também a pele, a
saliva, a alma, a mente, os arrepios do corpo, a palpitação do coração, o suor
dos poros, o calor do sangue. Tudo, pela primeira vez desfragmentado, unido,
denso. Era impossível não amar.
Os dias foram se passando e no último dia do mês último, um
novo encontro. Dessa vez, um mero encontro carnal. Leo se fragmentara
novamente.
Bia se perguntava se conseguira se despedir do outro, do inteiro, mas já
duvidava se um dia, o outro de fato existiu pra ela. Teria sido mais uma visão
pela fresta que ele deixara, por descuido, aparecer ou teria sido apenas uma
miragem?
A resposta é o que existe hoje. Hoje, existe um Leo fragmentado,
partido em pedaços invisíveis a olhos pouco treinados, daqueles que não
enxergam os brilhos nos olhares nem os cheiros exalados nos diferentes momentos
da auto-doação.
Bia recolheu seus pensamentos e encolheu seu corpo. Densificou-se a tal ponto que, como um buraco negro, atraiu para si todas as partículas de si mesma que estavam espalhadas. Estava
em lugar inseguro, com gente perigosa. Silenciou-se, como ensinou Leo, e o
deixou passar com seus pedaços.
nada é. tudo está. existir é transmutar.
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