domingo, 23 de dezembro de 2018

Conheci uma mulher, das melhores amigas de uma minha amiga. Ela se pôs a beber e a contar de suas peripécias. A movimentada vida na faculdade, as festas e a sensação de poder sempre presente, por ser de família rica.
Me contou, às gargalhadas, do dia em que, literalmente, perdeu as botas caríssimas e tb do dia em que perdeu a porta do carro. Me contou do dia em que pagou para entrar num lugar que era de entrada livre e do dia que perdeu seu anel de brilhante na privada da festa, enquanto vomitava.
Palavras como carinho e amor não faziam parte do script. Sequer a palavra sexo foi utilizada. Em seu lugar, usou "foder", "dar", "trepar", "beber", "loucura", etc.
Confesso que ri. Ri muito. Ri bastante.
Me diverti verdadeiramente e cheguei mesmo a pensar em como minha vida adolescente havia sido sem graça, na faculdade de direito, com meus amigos íntimos e vida familiar sem qualquer  excesso.
Ela, cada vez mais bêbada, contava das festas, dos cílios postiços, dos peitos postiços, da cintura postiça, mas tudo dela, depois de pagos.
No meu infinito esforço de escutá-la, me sentindo o patinho feio (e pobre) da mesa, repentinamente, falei besteira: você nunca se casou?
Ainda não sei se foi a inveja camuflada ou a inocência da criança que pergunta a um adulto como viemos ao mundo. Não sei.
O sorriso sumiu e a voz estridente diminuiu o volume. Vi seu desconforto, junto com a sensação de arrependimento que me invadia.
Ela respondeu que havia sido noiva algumas vezes, mas que na verdade nunca quis se casar. Se enrolou pra dar mais justificativas, enquanto eu tentava contornar a pergunta inconveniente ou desdizê-la, falando, ah sim, tudo bem, vai ver não encontrou a pessoa certa... ou... ou...
O estrago havia sido feito e a conversa não voltou ao ritmo inicial.
Logo após meu "fora", as vi falando sobre o distanciamento que as atingia. "Sempre aqui" era seu lema, como em toda forte amizade, mas a realidade as distanciava a cada dia. Numa dessas lamentações, meu terceiro fora escorregou sobre a minha língua num simples comentário totalmente dispensável: uma disse que sentia falta da outra, a outra respondeu idem mas que essa era a vida e a vida era assim e eu, que deveria ter ficado quieta, disse que as vibrações de cada um determinam quem fica e quem sai da vida da gente.
Pronto. Estava passando da hora de eu pegar meu suco de maracujá e ir embora.
No carro, refleti sobre as reclamações da minha amiga acerca de seu marido, que parecia estagnado na vida. Com todas as histórias contadas, entendi como é difícil se despedir de alguém que já fez tanto por você, já dividiu tantas lágrimas e risos, mas que agora, vibra numa frequência tão diferente da sua. Sei que problemas sempre surgirão e suas soluções estarão ali, a um passo de sua decisão, mas a questão da dissintonia... ah, minha gente... a dissintonia não tem solução.
Assim aconteceu entre as amigas, enquanto uma decidiu enfrentar o espelho que é o par, numa relação mais íntima e a outra, decidindo não decidir, ficou boiando na superfície da vida.
Ninguém quer enxergar essa disparidade e preferem curtir o cuidado que um tem com o outro, a memória, os costumes, a enfrentar, o quanto antes, essa realidade que os corrói dia após dia.
Então, eu repito pra mim mesma: eis o problema da dissintonia. Não há solução que não seja sair. O mundo se ajeita e se ajeitar faz parte do mundo, de todo mundo.

@todaflortocantins

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