Agarrei nossos lençóis com as duas mãos, alma e sonhos. Repentinamente,
percebi que eram só lençóis. Lençóis com nosso cheiro. Nada mais. Soltei.
quarta-feira, 28 de setembro de 2016
quarta-feira, 24 de agosto de 2016
José vestiu-se rapidamente. Olhou para Ana, que ainda dormia. Aproximou-se de seu corpo e sentiu seu cheiro. Um perfume suave que lembrava terra e ar. Lembrava abrigo mas, antes, perigo. Ali estava absolutamente tudo o que José temia e evitava. Estava tudo o que José desejava e aceitara. Sabia que a reciprocidade era certa, mas faltava a cumplicidade. Ana já estava resolvida com seus limites intransponíveis. O desejava e o amava, mas acima disso, o temia e o evitava. José, então, afastou-se silenciosamente. Era o melhor a fazer. Era o que lhe restava.
Desperta pelo tempo, Ana abriu os olhos. Percebendo a ausência
de José, procurou ao redor, confirmando que ele já não se encontrava. Vestiu-se
com a calma de quem não compreende o que se passa. Antes de sair, porém,
deparou-se com um espelho. Seus cabelos estavam cumpridos e seus olhos, fundos, profundos.
Não sabia quanto tempo havia se passado. Lembrava-se de José e se perguntava
porque não a acordara. Nada havia o que fazer naquele quarto. Ganhou a rua.
Os primeiros cinco metros foram conquistados com facilidade.
Avançando, perdeu os sentidos. Abaixou-se e inspirou todo o ar que lhe cabia. Um
vento gelado afagou-lhe o rosto. Pés no chão, sentia-se volitar e isso a
incomodava. Tentava caminhar, mas parecia flutuar. O ar dos pulmões desapareceu
e na multidão buscou ajuda. Do outro lado da rua, seus olhos pararam numa
silhueta conhecida. O olhar era amistoso e o sorriso, radiante, embora não a visse. Gritou o nome
que lhe veio à mente, mas ele não ouviu. Antes, continuou caminhando na direção
oposta. Ana gritou mais alto. José continuou seu caminhar.
Juntando as forças
que lhe restavam, equilibrando-se sobre o chão que não sentia, Ana levantou-se
e caminhou para alcança-lo, pela calçada oposta, chamando seu nome. José
continuava com seu andar tranquilo, sem nada escutar. Ana percebeu que, pela distância
em que se encontravam, ele não a ouviria. Cogitou atravessar a rua, mas seus
pés estavam inseguros, tanto pela sensação de volitação quanto pela indecisão.
José entrou numa loja de flores. Ana o observava e
pensava que talvez fosse a hora de o alcançar. Colocou o primeiro pé no asfalto
quente, e entre um carro e outro, ganhava centímetro a centímetro. Parou, ao
perceber que José saia da loja com uma única rosa nas mãos.
Um carro que vinha a toda velocidade deparou-se com o corpo frágil de Ana. Os pneus deixaram marcas no asfalto.
Um carro que vinha a toda velocidade deparou-se com o corpo frágil de Ana. Os pneus deixaram marcas no asfalto.
Voltando-se para o estridente som da parada brusca, José viu Ana de pé, paralisada, vestido tocando
o para-choques do carro, fitando-o desesperadamente. Trêmulo, ele correu em sua
direção. Segurou sua mão delicadamente e delicadamente respirou seu ar. A cumplicidade que lhes faltava dançava entre seus poros.
Suas mãos devolveram a Ana o caminhar seguro e, juntos, silenciosamente, percorreram o resto do percurso
que um dia haviam planejado.
Não se contou o tempo ou o espaço que os separaram. Sabe-se apenas
que foi o suficiente para tornar suas mãos tenazes o bastante para enfrentarem
juntos todas as intempéries, conquistas, lágrimas, aventuras e felicidade
vindouras.
segunda-feira, 22 de agosto de 2016
Te vejo mais distante, dia após dia.
Meu peito se alivia,
ante sua recente ausência.
Na memória até então presente,
sua imagem foi perdendo, primeiro, o brilho.
Perdeu a nitidez.
Agora, você perde as cores
e vai ficando cada vez mais rarefeito.
Mal te vejo.
Estranhamente, embora aliviada, me dói.
Embora agora possa respirar,
Dói na minha alma te perder.
Não você, na verdade.
Na verdade, você eu nunca tive.
Perco aquilo que de você guardo. Guardava.
Grito em meu silêncio,
desesperada.
Não quero perdê-lo.
Agarro-o com minhas mãos,
mas você me escapa,
como pontos volitando no universo.
Te peço que fique.
Você implora que não permita que você desapareça.
Enquanto eu te imploro que não permita que eu te deixe.
Mas nossas vontades se perdem no ar.
Você querendo ficar - eu querendo que fique.
Mas eu fico. Você vai.
terça-feira, 2 de agosto de 2016
Ela e eu
Ela entrou sabe-se la por onde
E circula no meu corpo.
Dói.
Minha carne arde e sinto-a navegando
Sob minha pele.
Sufoca-me por completo,
Constringe minhas veias,
Contorce meus músculos.
E não acaba.
Ah, me regozijaria o final
Sentiria meu peso
Se desprender do meu corpo
E minha alma a volitar.
Ela poderia ficar nessa carne
Áspera e quente.
Que se alimentasse de cada célula
E logo não restaria absolutamente nada.
Um verme que destrói a alma
Poderia muito bem destruir a matéria.
Sinto-a ainda dentro de mim.
Adormeceu.
Em frente, avanço.
Um dia de cada vez.
Até que eu levante a cabeça
Em direção à luz sem cor
E pergunte, intrigada, novamente,
Aonde vamos, eu e ela?
terça-feira, 12 de julho de 2016
Coração
Ah, se meu coração falasse,
Ia contar tantas histórias,
Ia falar de tantos sonhos,
Ia gritar tantas dores.
A se ele pudesse se expressar,
Ia rir de tanta tragédia,
Ia chorar de tanta saudade,
Ia tremer de tanta frieza.
Mas meu coração só sente.
Se contrai quando dói,
Palpita quando alegra.
Quando sofre, seca.
Quando ama, transborda.
E quando é amado...
Ah... quando é amado,
Ele se aquieta.
domingo, 10 de abril de 2016
domingo, 3 de abril de 2016
Costas tuas
Tuas costas são lindas,
Mas por que mas destes,
Enquanto pedi eu,
Tua mão?
Minha petulância te afronta?
Minha intensidade te inquieta?
Minha inconstância te amedronta?
Minha nudez te perturba?
Ah, minha nudez!
Minha perturbadora nudez
De carne
E de vontades!
Entrega tuas mãos às minhas
Percorre-me o corpo nu
Segura meu ventre e sobe
Ao pé dos meus cabelos,
Cheira, afaga.
Sente meu corpo,
Trêmulo, candente.
Encosta teus pêlos
Eriçados na minha pele
Não te intimides
Pelos meus medos.
Não te revoltes, volta!
Olha nos meus olhos.
Não te desvia, concentra!
Esquece do ontem e,
Principalmente,
Do amanhã,
Que nem há!
Ama-me baixinho,
Despreocupado,
Agora.
E só depois,
Pra que eu durma,
Da-me tuas costas
Nuas.
(Frô)
Tuas costas são lindas,
Mas por que mas destes,
Enquanto pedi eu,
Tua mão?
Minha petulância te afronta?
Minha intensidade te inquieta?
Minha inconstância te amedronta?
Minha nudez te perturba?
Ah, minha nudez!
Minha perturbadora nudez
De carne
E de vontades!
Entrega tuas mãos às minhas
Percorre-me o corpo nu
Segura meu ventre e sobe
Ao pé dos meus cabelos,
Cheira, afaga.
Sente meu corpo,
Trêmulo, candente.
Encosta teus pêlos
Eriçados na minha pele
Não te intimides
Pelos meus medos.
Não te revoltes, volta!
Olha nos meus olhos.
Não te desvia, concentra!
Esquece do ontem e,
Principalmente,
Do amanhã,
Que nem há!
Ama-me baixinho,
Despreocupado,
Agora.
E só depois,
Pra que eu durma,
Da-me tuas costas
Nuas.
(Frô)
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016
Uma conversa responsábel
- Sejam RESPONSÁBEIS! – falou ele, sobrancelhas arqueadas em
tom de superioridade, com o dedo indicador elevado à altura de nossos olhos. Os
mais desatentos tentariam corrigi-lo, antes que ele ratificasse a palavra,
dizendo: “Viver com RESPONSABEDORIA!”
Éramos cinco a olhá-lo atentos. Sua esposa o fitava com
carinho e todos nós outros, com admiração. Seu discurso ofensivo esclarecedor
nos repreendia e orientava: os formatos socialmente aceitos resultavam em
indivíduos com os bolsos cheios e vidas vazias. Na melhor das hipóteses, as
mentes enchiam-se de teoria, mas faltavam-lhes histórias, sabedoria.
O jovem, segundo ele, era ensinado a responder questões de
prova, resolver intrigas do ambiente de trabalho, solucionar embates teóricos
cuja satisfação resultaria em sucesso profissional. Não era ensinado, contudo,
a lidar com os anseios que a vida lhe guardava. “O problema,” prosseguiu, “é
que esse é o tipo de ensinamento que não pode ser repassado nem pelos mais
brilhantes professores ou doutrinadores, filósofos ou sociólogos; somente pela
própria vida.”
Cabe-nos agora questionar: de qual vida falamos? A vida em
que se estuda, se forma, se consegue um bom emprego, se casa, se tem filhos e
vive-se felizes para sempre – ou não.
Não. A lição dessa vida socialmente construída, dentro de
padrões pré-estabelecidos, limita-se a nos ensinar a passar pela vida – e só.
Essa vida normal – palavras dele – é a constância que leva
qualquer indivíduo a uma felicidade medíocre, no melhor significado da palavra.
Não se está dizendo em felicidade falsa ou rasa, mas mediana, comum.
O ensinamento que enche a criatura de coisas outras e que
lhes agrega uma felicidade antes inimaginável – originada de experiências,
desejos, reflexões, medos e superações – não vem da vida comum, da estrada
reta, devidamente pavimentada e bem sinalizada, que nos permite viajar a
duzentos quilômetros por hora e chegar a todo e qualquer destino planejado.
A felicidade
diferenciada é aquela que sentimos ao encontrar belezas após a curva sinuosa da
ruazinha de terra cuja entrada se vê à margem da rodovia – aquela impossível de
ser vista pelo condutor a duzentos quilômetros por hora.
Pra saborear esse caminho, é necessário abandonar o asfalto,
os planos bem bolados. É necessário ter coragem de ir sem saber pra onde, sem
saber o que vai encontrar e sem sequer ter a certeza de que vai encontrar
alguma coisa – nem sequer um posto de gasolina.
Acontece que é justo quando o combustível acaba que se
descobre o tamanho exato do tanque. É então que, no meio do nada, isolados do
resto do mundo, nos deparamos com questões mais graves e sinceras. E agora? A
faculdade não ensinou. O pai não educou. A igreja mandou ter fé, mas não
desenhou a solução. Platão questionou, Sartre teorizou, Nietzsche devaneou, mas
nem Zaratustra deu a resposta.
Acontece que é no caminho – seja adiante ou de volta – que o
perdido encontra a si mesmo, encontra desconhecidos que lhe dão carona e acabam
dando carona em suas viagens mentais que, mesmo pé ante pé, transportam os
viajantes de um mundo a outro. É nesse caminho que se saboreia morangos
silvestres, que se mergulham as mãos em sacos cheios de cereais ou se jogam
inteiramente em piscinas de spaghetti. É nesse caminho que se aprende a brincar
de mímica, que se aprende que sexo não é amor e se memorizam livros antes de
serem queimados. É nesse caminho que se aprende que calar é mais complexo que
dizer.
E então, ao final da jornada, talvez um pouco mais
encontrado, talvez um pouco mais perdido, o indivíduo olha para frente e olha
para trás. Olha para os lados, pra cima e pra baixo e sente-se fundido ao
mundo.
Após a palestra dada na mesa amarela de bar, cervejas
derramadas nos copos e cadeiras de plásticos transformadas nas mais confortáveis
poltronas, questionei-me se a melhor educação visa chegar ao destino
pretendido, pela rodovia bem sinalizada, ou se visa o perder-se no mundo.
Consegui, naquele momento, visualizar a escolha inconsciente dos meus pais.
Acontece que, perdida entre dois mundos, não encampei nem
uma nem outra causa. Flutuando entre as existências, perguntei ao douto palestrante
se o melhor era o caminho do meio, ao que me respondeu com sorriso malicioso:
“Não há caminho do meio. Tem-se que escolher. O único caminho realmente necessário
para sentirmos o mundo com intensidade é o que nos leva a nós mesmos. Mas não
tire os olhos da rodovia.”
quinta-feira, 21 de janeiro de 2016
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