Carta para a Senhora B.
Prezada senhora, que prazer revê-la, depois de quase três anos! Suas asas, como imaginei, tornaram-se iridescentes! Imagino que suas mudas lhe custaram noites de insônia, lágrimas, dores e quase-morte. Imagino como deve ter sido complexo todo o processo.
Infelizmente, tenho que alertá-la que as mudas repetem-se de tempos em tempos. O incômodo poderá se instalar novamente ao longo de sua existência. Mas se tranquilize. Elas são sempre distintas umas das outras e a cada dia nos tornamos mais fortes, aptas a suportá-las.
Coincidentemente, na última semana me deparei com uma carta que você me encaminhou, tempos atrás. Como foi forte sua mensagem. Muito me fez pensar. Se não se lembra, você me descobria e me trazia esperanças de voltar a voar. Tenho muito a contar, mas isso, numa outra ocasião.
Escrevo porque a vi assim, de soslaio porque não tinha certeza de tê-la reconhecido, e me comoveu revê-la tão linda. Linda, mas fragilizada.
Pequena Senhora B., parece-me que não é mais tão inocente. A vida a tem feito.
Mas por que é que a lição sobre o tempo lhe tem sido tão dramática? Sei que na irrigação de suas asas teve muito trabalho. Sei que todo o seu crescimento, todas as mudas, te fizeram agir incessantemente. Mas perceba que, junto de todo esse esforço, teve alguém que nunca a abandonou, que sempre esteve trabalhando ao seu lado, fazendo amadurecer o que devia, morrer o que já não servia, esclarecendo o que precisava de luz, fortalecendo o que estava frágil. Percebe que ele, o Tempo, nunca, nunca te deixou sozinha.
Perceba, querida amiga, o quanto o Tempo é sábio e deve ser querido, desejado, esperado.
Ele seca as flores para que novas nasçam; transforma o que já não mais reluz em adubo; nos ilumina na hora certa, porque só ele conhece as horas do universo. O Tempo, querida borboleta, é mais responsável por suas transformações, do que você.
Sente-se tranquilamente e observe o mundo. Vai perceber que o universo continua, mesmo que você pare. Sua estagnação não é importante para ele. Sinta e aceite o universo ser, com o auxílio do Tempo, este que auxilia a todos os seres, vivos e não vivos. Deixe o tempo agir.
Dizem por ai que a vida é feita de escolhas. Eu sei disso. Todos sabemos. Mas as escolhas também têm tempo certo. Se não estiver preparada para elas, escolherá errado e o Tempo, que não pára, vai parecer descontrolado.
Mas creia: o Tempo não adoece, não enlouquece, não se descontrola, não morre. O Tempo está certo, sempre. Caberá a você, após uma decisão equivocada, fazer o que for possível para recentralizar sua vida, para que você, que adoece, que elouquece e que morre, consiga sobreviver em comunhão com ele.
Esse processo dói, eu bem sei. Dói em nós e dói também em terceiros, afetados por nossas decisões. Por isso entenda: ter calma é mais fácil que o processo de reconstrução, depois das desconstruções tão necessárias, das decisões tomadas fora do tempo.
E já que ainda não cometeu (tantos) abusos, nem pelo excesso nem pela ausência de decisões, receba o conselho desse pássaro que tudo tentou para ver suas asas renovadas e, só agora as vê cicatrizadas, pela singela e eficaz ação do tempo. Rotas – é verdade. Não são mais como antigamente. Não são tão fortes nem tão belas. Mas estão cicatrizadas, graças à ação dele, o Tempo.
Aprendi isso, querida Senhora B., gastando muita, muita energia no impulso incessante de agir, de crer que eu não poderia deixar jamais minha jangada ao sabor do vento. Deve-se lembrar das minhas inúmeras tentativas de colar meus ossos, de regenerá-los. Não percebia, com minha pouca vida, o quanto o senhor Tempo é implacável em seu trabalho, o quanto é sábio e eficaz no serviço de trazer a nós aquilo que precisamos, mesmo à nossa revelia.
Converse com ele, o Tempo. Converse também com o vento, a chuva, o mar, o rio. Nesse diálogo silencioso e sincero, muito se aprende.
Veja quanta coisa, nesses últimos três anos, se aquietou em sua alma, sem que você tivesse que tomar parte, sem que tivesse que empreender longas viagens (externas ou internas, emocionais ou racionais). Aprenda a observar e a esperar. Atenha-se em si mesma.
Quanto às minhas asas, o senhor Tempo as cicatrizou. Aguardo então o vento certo, que me lançará ao alto, permitindo-me dançar entre as nuvens mais uma vez. Mas agora, com o zelo necessário a me distanciar de nuvens densas e não me aproximar tanto do sol.
De sua amiga.
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