O doutor diagnosticou que ela estava apaixonada, mas Lorena sabia que não.
Saiu da sessão decidida a encontrar onde, nela, João atingia. Não era seu coração e disso ela sabia. O doutor estava equivocado.
Lorena chamou João e tomaram um café. Ela o observava, curiosa. Dizia coisas que, sabia, não eram para ser ditas, mas necessitava dizê-las para observar João e, principalmente, os efeitos que lhe causariam as reações dele.
A cada passo dado, olhos e ouvidos atentos, a expectativa a resumia. Dia após dia de observação de si mesma, Lorena começou a reconhecer suas sensações. Não era tesão. Não era amor. Não era paixão. Era mais brando, duma cor lilás aveludada, que não incomodava. Reconheceu que era algo, mas não era um sentimento. Ocupava espaço dentro dela e lhe causava inércia, porque se retroalimentava.
João era um poço que pedia diariamente para ser mergulhado. Lorena aceitava o convite. Mas também não era o convite que a excitava.
A cada mergulho conhecia brilhos novos nas profundezas daquele poço. Era a curiosidade que a movia na direção da água, na direção do desconhecido que tantas sensações lhe proporcionava.
Lorena não se vinculava à aquele poço. Não se reconhecia nele.
Ele era extensão de João, que ninguém cinhecia, que ninguém acessava.
Nas profundezas do poço, havia terra. Lorena sabia. Mas sabia também que se tentasse chegar ao chão, se afogaria.
Aquelas águas lhe pareciam - sentia - demasiado traiçoeiras.
Notou que quanto mais afundava, mais as águas pesavam sobre seu corpo e dificultavam sua emersão. João, seu chão e suas águas. Lorena e sua curiosidade fatal.
O poço recebia Lorena com águas geladas, desconfiadas. Aos poucos, porém, se acostumavam.
Ele, com aquele corpo estranho dentro de si, passava a achar graça na sensação estranha que lhe causava.
A temperatura da água, nela, passa a ter efeitos inesperados, como uma cachoeira que purificava.
Aos poucos, ele foi achando normal Lorena nadando em suas águas e passou mesmo a esperá-la, ansioso.
Passou a se tornar mais denso quando a percebia demasiado pesada, facilitando que flutuasse; e menos condensado quanto a percebia leve demais, tornando-se um pouco mais permeável e garantindo sua imersão.
A pele dela, ao seu tempo, aprendia a lidar com as nuances da água, com suas transformações físicas que, percebia, não atingia sua natureza. Quente, morna ou fria, sabia que água era aquela, em sua essência.
João, no entanto, reparando que Lorena se familiarizara com o poço e que o poço não mais estranhava Lorena, reprovou tamanha intimidade.
Tirou, então, sem aviso ou explicação, a escada que levava ao seu interior.
Ao chegar para mais uma visita, Lorena se deparou com as fronteiras aparentemente intransponíveis. Não entendia os motivos de tamanha violência. Sua curiosidade se misturava a ira, orgulho e petulância. Teve suas verdades desafiadas.
Queria. Iria.
Escalou as paredes, com toda a perspicácia que tinha, e pulou para dentro do poço.
Flutuou, mergulhou. Desceu o máximo que pôde. Subiu. Nadou. Sentiu o contato das águas em seus poros. Se sentiu. Amou as águas e se amou.
Na hora de sair de seu último banho, contudo, Lorena hesitou. Cansada, já desistindo de nadar, viu que João a observava, de longe. Sorriu. Ele não.
Com ar de reprovação, aproximou-se calmamente. Assistiu sua visitante cansando-se. Esfriou-se inteiro. Ela, pálida, perdia as forças. Olhos estagnados. Muda. Lábios cerrados. Afundava, devagar.
Outro dia, na sessão, o doutor repetiu seu diagnóstico: é paixão!
Lorena sabia que seu pecado tinha outro nome. Disse, sorrindo: "Não. Não é, doutor! De paixão ninguém morre."
- Gabi.gmo -
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