domingo, 27 de junho de 2010

Inércia

Essa minha tendência à inércia...
Ave Maria, cheia de graça, o Senhor...
é tão confortável... aconchegante...
você só precisa se justificar e fingir que...
sois vós, entre as mulheres...
bendito é o fruto...
tão mais fácil... embora pareça, às vezes,
Santa Maria, mãe de...
que desisto sem nem tentar...
rogai por nós...
um pecado, termos o poder de escolha...
e na hora de nossa...
mas não o usarmos adequadamente...
morte...
inér...
amém...
cia.



sexta-feira, 25 de junho de 2010

Me deixe!





Enquanto me aqueço, lendo,
o mundo inteiro ferve, sendo.

Enquanto penso e grito, crendo,
o mundo se mente, se joga, se vive, se cansa.

Enquanto me esqueço, canta.
Enquanto me perco, dança.
Enquanto me afogo, trança.
Enquanto me mato, ri.

Piso descalço nele e ele me olha
como a terra há de me fitar, pertinho, um dia.
Só que no fundo do mundo, o mundo mudo
me enterra, me molha,
me morde, me chora, me cria.


E cresce a vontade de pisar...
Bem forte, bem na cabeça dele.
- indelicado, ingrato, impessoal -
Quebrá-lo no meio e violentá-lo
Matá-lo afogado em seu próprio mal.


Corro dele, que me persegue.
Não consegue entender minha vingança.
Tampouco sabe que o que quero é pouco..
gritar bem baixinho,
saboreando a dolorosa desesperança:
"Xô, mundo! Some daqui!"

(frô)

sábado, 19 de junho de 2010





Se um dia olhar pra mim e me enxergar, será como mastigar uma pétala de uma flor qualquer.



Clarice...

"Não, não devia pedir mais vida. Por enquanto era perigoso. Ajoelhou-se trêmula junto da cama pois era assim que se rezava e disse baixo, severo, triste, gaguejando sua prece com um pouco de pudor: alivia a minha alma, faze com que eu sinta que Tua mão está dada à minha, faze com que eu sinta que a morte não existe porque na verdade já estamos na eternidade, faze com que eu sinta que amar não é morrer, que a entrega de si mesmo não significa a morte, faze com que eu sinta uma alegria modesta e diária, faze com que eu não Te indague demais, porque a resposta seria tão misteriosa quanto a pergunta, faze com que eu me lembre de que também não há explicação porque um filho quer o beijo de sua mãe e no entanto ele quer e no entanto o beijo é perfeito, faze com que eu receba o mundo sem receio, pois para esse mundo incompreensível eu fui criada e eu mesma tambem incompreensível, então é que há uma conexão entre esse mistério do mundo e o nosso, mas essa conexão não é clara para nós enquanto quisermos entendê-la, abençoa-me para que eu viva com alegria o pão que eu como, o sono que durmo, faze com que eu tenha caridade por mim mesma pois senão não poderei sentir que Deus me amou, faze com que eu perca o pudor de desejar que na hora de minha morte haja uma mão humana amada para apertar a minha, amém."

segunda-feira, 14 de junho de 2010

homens...



(encomendada por uma linda amiga, a quem dediquei outrora as linhas de "Planos Altos"... Florzinha, espero que esse poema, definitivamente, NÃO caiba a todos os homens do mundo...)




Homens... homens... uma poesia pra vocês!
Mas sem rima!... já que homem não chora...


Pensando bem, uma rimazinha do tipo ela com janela,
flores com dores, chão com coração...
só pra deixar vocês assim, alegrinhos, 
achando que Eva saiu mesmo da costela de Adão!


Nós, falenas, somos assim cricris, sonhadoras,
românticas, imaginando o cara ideal...


E vocês, achando que somos complexas, 
se multiplicam em mil caras,
o milheiro todo impertinente,
se lixando pras nossas asas,
afirmando que isso tudo é normal!


Pra vocês, queremos dar muito mais que casa
mais que comida, cama e roupa lavada


Mas como num gole de cerveja
(daquelas, em copo de bar e mesa amarela)
vocês aproveitam e tragam
tudo o que inocentemente lhes oferecemos...


e se vão...
voltam ao mundo, de onde saíram momentaneamente,
como o carinha lá, que escalou a parede até 
a janela da Julieta - e pobre Julieta... 
que de tão romântica, morreu...


e depois que beijam, regressam, somem...
retrocedem do céu para o chão,
saindo com o pretexto de viver,
e pra isso não dependem senão 
de um fôlego para se enroscarem com 
a primeira (segunda, terceira...)
falena que aparecer.


Não importa sua idade,
se escondem por detrás da momentânea felicidade,
aproveitando toda e qualquer oportunidade,
não reparando em nossa serena realidade.
Nos beijos de outras bocas não vêm maldade,
armam planos e desculpas com genialidade,
e gozam noutros corpos sobre a impunidade,
frios, cruéis, repletos de íntima falsidade,
estragando a mulher que outrora o acolheu.


Por isso tudo, ele se faz necessário...
o grito alto, ainda que quase mudo,
de liberdade, fundida com libertinagem!


Ao menos assim, o retrato irradia alegria,
a noite se afunda no dia
e continuamos fingindo que somos toda folia,
petrificadas no bom-senso da praticidade,
arruinadas nos sonhos adiados,
crescendo cada dia mais,
na febril e doce vida... de fêmea.


(frô)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sou não ser














Se é, não sei.
E nem quero saber.
E não quero saber nem
de quem sabe se é.

Vontade inerte, infértil.
Inércia vivida, de vida, ida
... ou nem isso.

Olhar periférico
não meu, nosso
(sor)riso amarelo, (exa)gerado
(entre)olhado, (des)ajustado, (con)gelado.

Vida de alguém que
além, aquém, aqui (não) existe, vivo
... ou quase isso.

sábado, 5 de junho de 2010

Soneto XVII



Pablo Neruda - Cien sonetos de amor
No te amo como se fueras rosa de sal, topacio 
o flecha de claveles que propagan el fuego: 
te amo como se aman ciertas cosas oscuras, 
secretamente, entre la sombra y el alma.

Te amo como la planta que no florece y lleva 
dentro de sí, escondida, la luz de aquellas flores, 
y gracias a tu amor vive oscuro en mi cuerpo 
el apretado aroma que ascendió de la tierra.

Te amo sin saber cómo, ni cuándo, ni de dónde, 
te amo directamente sin problemas ni orgullo: 
así te amo porque no sé amar de otra manera,

sino así de este modo en que no soy ni eres, 
tan cerca que tu mano sobre mi pecho es mía, 
tan cerca que se cierran tu ojos con mi sueño.


quinta-feira, 3 de junho de 2010

Desafinado


 Tom Jobim

Quando eu vou cantar, você não deixa
E sempre vêm a mesma queixa
Diz que eu desafino, que eu não sei cantar
Você é tão bonita, mas tua beleza também pode se enganar
Se você disser que eu desafino amor
Saiba que isto em mim provoca imensa dor
Só privilegiados têm o ouvido igual ao seu
Eu possuo apenas o que Deus me deu
Se você insiste em classificar
Meu comportamento de anti-musical
Eu mesmo mentindo devo argumentar
Que isto é Bossa Nova, isto é muito natural
O que você não sabe nem sequer pressente
É que os desafinados também têm um coração
Fotografei você na minha Rolley-Flex
Revelou-se a sua enorme ingratidão
Só não poderá falar assim do meu amor
Este é o maior que você pode encontrar
Você com a sua música esqueceu o principal
Que no peito dos desafinados
No fundo do peito bate calado
Que no peito dos desafinados também bate um coração