quinta-feira, 7 de maio de 2015

Há nove anos atrás...


Era 7 de maio de 2006. A barriga era redonda como a lua, ostentada pelo corpo franzino de uma mulher. Um corpo dentro de outro corpo, uma vida dentro de outra vida. Ninguém imaginava a quantidade de vidas que ainda se entrelaçariam.

O dia era morno e o vento soprava leve. As árvores tremelicavam, saudando um guerreiro que logo chegaria. As flores amanheceram mais coloridas do que nunca.

Ao entardecer, nuvens brancas carregadas de energia cobriram a cidade, derramando sobre a terra uma chuva morna e amorosa.

A noite caiu. A lua era cheia. Ele logo chegaria.

Não sei como foi, mas imagino que ele tenha dado trabalho. Seus ossos largos e seus olhos feito jabuticaba madurando, castanhos e grandes, decepcionariam se o parto fosse tranquilo.

Acontece que o corpo franzino que ostentava a tal barriga era, na verdade, frágil. Frágil em todos os sentidos: físico, psicológico, emocional, espiritual.

Aquele corpo franzino, na verdade, a genitora, falhava, dia após dia, na missão mais bela dada por Deus. Era junho de 2008 quando ela desistiu. A força hercúlea que canalizara para a barriga, durante a gravidez, dava seu último suspiro. Ela fez o melhor que pôde. Não era que o amor era pouco. Era a força, mesmo, que lhe faltava.

Em contrapartida, do lado oposto da cidade, uma outra mulher precisava de mais matéria para segurá-la ao chão. Ela tendia a voos que considerava vitais. Levitava sempre que podia, sempre que ninguém via. Mas Deus precisava que criasse raízes, que fosse mais matéria nessa vida, em que ela, mesmo dentro de um corpo, se sentia etérea.

Era dezembro quando, durante o sono, o pequeno guerreiro, que já atravessara tantas batalhas até aquele dia, revoltado, foi ter com seu anjo da guarda.

- Tá de brincadeira comigo, né?

O anjo o fitou, perplexo. Já ia respondendo que anjos não fazem esse tipo de gracejos, quando o pequeno explodiu:

- Já ouvi uns boatos por ai que querem me mandar para outra cilada! Quer dizer então que nasço com a missão de ser um guerreiro, me colocam dentro do corpo de uma mulher que mal consegue se sustentar, me fazem passar fome, frio e abandono e agora, quando acho que meu destino vai se concretizar, e vou até uma família que me dê suporte para vencer as tais batalhas, vocês querem me entregar para outra doida? Uma doida que só pensa em voar?

De olhos arregalados, o anjo suspirava. Abaixou a cabeça e mordeu os lábios. Aguardou o ânimo do garoto se acalmar e, então, informou:

- Sua primeira mãe precisava de um espírito forte e persistente para conseguir chegar ao final da gravidez. Quando nascesse, ele precisaria de um corpo ágil e perspicaz para superar as dificuldades materiais que viriam. Por fim, esse ser deveria ter uma fé imensa, para confiar na vontade de Deus, já que Ele explicou que a mulher nasceria com o título de GENITORA e passaria por uma prova muito pesada, com risco de falha, para que fosse, por fim, batizada como MÃE. Mas mesmo que falhasse, mesmo que ela o abandonasse, Ele, Deus, jamais abandonaria esse filho querido. Precisávamos de um verdadeiro guerreiro para essa missão. O espírito mais adequado que encontramos, capaz de vencer todas essas batalhas, foi você.

O pequeno começou a compreender que ele não se tornaria um guerreiro. Já o era. Indagou, temeroso, se essa nova mãe que lhe dariam também estaria enfrentando uma prova passível de falha, ao que o anjo respondeu:

- Tenho três boas notícias para te dar, quanto a isso: a primeira é que você terá irmãos, tios e avós abençoados, nessa nova casa. Mesmo que ela falhe, você não ficará desamparado. Você deve ter consciência que isso é um privilégio de poucos. 
A segunda boa notícia é que essa nova mãezinha precisa de você, muito mais que você, dela. Fique tranquilo. Ninguém larga uma tábua de salvação em meio a tempestade. A caridade é sina de todo guerreiro. Você terá que ter paciência e ser caridoso com essa mulher. E a terceira informação que você precisa saber, a mais importante, aliás, é que Deus confia nela. Ele lhe deu o nome de MÃE, assim que nasceu, sem qualquer teste, tamanha a confiança que tem nela. Por isso, aconteça o que acontecer, Ele sabe que essa mãezinha jamais vai abandoná-lo, porque ela é Ele, e Ele é ela. E com todo amor que ela te dará, você logo compreenderá que você também é Ele, e que Ele também é você e nunca mais você sentirá fome, sede, frio ou medo.

E assim, em dezembro de 2008, compreendi porque no dia 7 de maio de 2006, o mundo inteiro acordara em festa, florido, vibrando em saudação a sua chegada.

Você, meu filho, colocando sua vida sob meus cuidados, sem saber, sustenta minha mão, minha vida e minha alma. A você, minha gratidão e meu amor.

Desejo que a natureza continue comemorando com você, pequeno guerreiro, por quantos mais anos Deus lhe conceder – e que conceda o suficiente – com alegria, saúde e boas vibrações. Juntos, somos mais. Juntos, somos um. E te prometo, meu pequeno, que se aqui chegou um guerreiro pela força e coragem, daqui sairá um guerreiro da paz, completo pela paciência, benevolência, justiça e amor.



segunda-feira, 4 de maio de 2015

Amores passados


É bom que saibamos que toda história de amor é um conjunto de momentos, contexto, sentimentos, sensações, condições e ainda outros tantos fatores. Quando esse conjunto envolve mais de uma pessoa, tem-se relacionamentos interpessoais. São relacionamentos entre amigos, familiares, colegas, conhecidos, parceiros.

Os relacionamentos, por sua vez, podem nos trazer sensações e sentimentos bons e ruins. Quando são bons, ligamos à ideia de amor. Se são bons e acontecem com determinado parceiro, então logo o classificamos como relacionamento amoroso.

Compreendendo, portanto, que tais relacionamentos nada mais são que uma espécie de um gênero muito mais amplo, é imperativo aceitarmos que a importância real que esse “tipinho” desempenhará em nossas vidas é idêntica à dos outros relacionamentos, a menos que assim não queiramos.

Partindo dessa premissa, compreendendo que o relacionamento amoroso é tão somente um tipo de relacionamento interpessoal e que muitos dessa espécie se desenharão em nossas vidas, torna-se prazeroso enxergar os relacionamentos passados como belos livros, ilustrados pelas imagens das lembranças, desenhados nos cenários da vida.

Há leitores que se entretêm facilmente com as histórias que leem, não desgrudando os olhos das páginas mesmo enquanto caminham, descansam, comem. Riem e choram. Suspiram, pensam na vida. 

Há livros que têm o condão de pregar dessas peças com qualquer leitor desavisado.

Ao final da obra, contudo, a vida continua. Fechamos a última página com ódio mortal ou apaixonados pelos protagonistas. Muitas vezes, temos raiva dos bandidos que não se deram tão mal quanto mereciam. Ficamos, ainda, com uma vontade louca de acertar as contas com o autor! Mas o livro acabou e só nos resta virarmos a última folha e encontrarmos a triste, solitária e melancólica capa.

Os amores passados são livros que podem ser folheados vez ou outra, mas, em regra, não são ressuscitados. Poucos acabam relendo o livro já findo, que jaz ali, numa estante preciosa, no fundo da memória; preferimos partir para outra obra, com a expectativa premente de conhecer novos personagens, novos enredos, novas tramas. E, por incrível que pareça, os novos personagens nos cativam majestosamente; as paisagens imaginárias nos aconchegam; somos apresentados a novos problemas, novas soluções e novas sensações. Somos presenteados com um mundo novinho em folha!

E assim continuamos nossa caminhada como leitores e protagonistas de nossas vidas. A cada livro ou história, novos aprendizados, novas lembranças, novos sentimentos.


Finda a leitura, saibamos partir para a próxima obra, desejando termos nós, personagens, tolerância, compaixão, amor, paciência e persistência suficientes para que, em algum momento de nossas vidas, escrevamos o último livro e que este, termine com reticências.   
(frô)