sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Casamento

Adélia Prado


Há mulheres que dizem:
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva

(*) dedico esta poesia a alguém que tem feito parte de minha vida já há alguns meses...
A escrivã na cozinha
Adélia Prado


Só Deus pode dar nome à obra completa
— de nossa vida, explico — mas sugiro
Ao meio-dia, um rosal,
implica sol, calor, desejo de esponsais,
a mãe aflita com a festa,
pai orgulhoso de entregar sua filha
a moço tão escovado.
Nome é tão importante
quanto o jeito correto de se apresentar a entrevistas.
Melhor de barba feita e olho vivo,
ainda que por dentro
tenha a alma barbada e olhos de sono.
Sonhei com um forno desperdiçando calor,
eu querendo aproveitá-lo para torrar amendoim
e um pau roliço em brasa.
Explodiria se me obrigassem a caminhar por ele.
Ninguém me tortura, pois desmaio antes.
A beleza transfixa,
as palavras cansam porque não alcançam,
e preciso de muitas para dizer uma só.
Tão grande meu orgulho, parece mais
o de um ser divino em formação.
Neurônios não explicam nada.
Psicólogos só acertam se me ordenam:
Avia-te para sofrer — conselho pra distraídos—,
cristãos já sabem ao nascer
que este vale é de lágrimas.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011




Alguém me explica!?

Os maiores de todos os paradoxos dentro de mim:

Quanto mais amor, mais morte.

Quanto mais vida, mais vontade de fim.

(frô)

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Destinatario:

Uma segurança tão estranha é o que voce me traz. Segurança de quem segura, aperta pedindo confiança. E atendendo, me agarro aos teus dedos, morta de coragem doída, piscando feito luz de farol na madrugada.

E, numa dessas, quando ela brilha num amarelo fosforescente, sorrio e nado em teu mar.

Enquanto isso, vou (me) congelando, de dentro pra fora, porque o mar é quente.

Dai, voce chega, em seu barquinho de tronco de árvore, me chamando pra subir.

E a coragem, feito farol.

Subo, sem certeza de nada.

Nao sei se é certo, nao sei se quero, aonde vou. Nem sei se me cabe contigo, mas vou.

O vento corre gelado nos meus escorridos cabelos molhados; os congela. Rio.

Que falta sinto do meu Rio.

Chegamos no encontro e aqui, nos vamos. Tchau, mar!

E cuidado! Engolir barquinhos e tripulantes pode causar indigestão!
Não sei ao certo aonde quero chegar, mas sei que gosto de sentir teu cheiro, ver teu sorriso em teus olhos.

Ouvir tuas promessas me faz bem, mesmo não tendo qualquer pretensão de vê-las concretizar.

Tua companhia é boa pra mim e tua pele é como um edredon no inverno.

Pela primeira vez, pareço não me preocupar muito com o que vai ser e, às vezes, me pego pensando que nem no verdadeiro "é" me tenho apegado.

Pode mentir! Minta bastante, sé nao me deixe saber.
Sorria-me e isso me bastará.

Um transeunte que passou pela minha frente, agarrou minha mão e me saiu arrastando!

Te acompanho, agora.

Sei que uma hora, vai largar minha mão e, por inércia, vou tentar te acompanhar, até que minha cabeça e meus pés entendam que não há mais mão alguma junto com a minha.

Vou dar mais alguns passos em sua direção, mas logo meu caminho irá mudar.

Só espero, sinceramente, que eu consiga me equilibrar depois de solta do trem em movimento e que não me aconteca como a criança que, aprendendo a andar de bicicleta, beija o chão quando descobre o abandono do pai, ainda que pelo seu melhor.

Mas se eu cair, oh! Não olhe pra trás!

Se eu cair, continue andando! Logo me levanto e quando estiver fazendo a primeira curva, vai me ver te ascenando e dizendo: "Vá com Deus e obrigada! Também não te quero mais!"