terça-feira, 25 de setembro de 2018


Ele foi o primeiro que me tocou a alma.
Olhava nos meus olhos e completava minhas palavras.
Reconhecíamo-nos nos devaneios um do outro.
O universo fluía por nós.
Nos despedimos e ele se emudeceu em poros trancados
pela fugacidade daquilo que foi.

As dúvidas me inundavam, ante o silêncio eloqüente
das frases trocadas em vão, sem intenção.
Não me conhecendo, me tocou pelo que
achava que eu era, uma sua construção.
Tateou no escuro e encontrou algo que nunca existiu.
Eu, ingênua, achava que ele sabia o que tocava.

Tempos se passaram esgueirando-me como pude.
Todos que me batiam à porta, tinham como resposta
meu sorriso silencioso e vazio.
Mas o universo me presenteou.
Chegou você, que pouco queria, sabendo que tudo podia.  
Surrupiando das minhas profundezas, a minha calma.

Suas certezas divinas confundiam as incertezas humanas.
As certezas humanas confundiam suas incertezas divinas.
Sua ambigüidade atraia meu interesse, como isca.
Cautelosa, ainda, entreguei parte de mim, audaciosa.
Meu corpo inteiro, na verdade,
deixando sã a minha alma.

Nossos corpos, astuciosos, se entenderam sozinhos.
Sem o menor resquício de consciência, 
- nem medo nem cautela nem pudor -
se misturaram na indolente indecência, despreocupados,
como duas gotas de óleo perfumadas,
fazendo nascer, dessa mistura, um cheiro de nós.

Eu existia e você me conhecia.
Você existia mais do que pretendia.
Resgatado de si, você sentia alma alcançada.
Nos despedimos, contudo. Mas nos levamos.
Eu, seu perfume na minha pele.
Você, meu riso nas suas pálpebras fechadas.