segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Uma conversa responsábel

- Sejam RESPONSÁBEIS! – falou ele, sobrancelhas arqueadas em tom de superioridade, com o dedo indicador elevado à altura de nossos olhos. Os mais desatentos tentariam corrigi-lo, antes que ele ratificasse a palavra, dizendo: “Viver com RESPONSABEDORIA!”
Éramos cinco a olhá-lo atentos. Sua esposa o fitava com carinho e todos nós outros, com admiração. Seu discurso ofensivo esclarecedor nos repreendia e orientava: os formatos socialmente aceitos resultavam em indivíduos com os bolsos cheios e vidas vazias. Na melhor das hipóteses, as mentes enchiam-se de teoria, mas faltavam-lhes histórias, sabedoria.
O jovem, segundo ele, era ensinado a responder questões de prova, resolver intrigas do ambiente de trabalho, solucionar embates teóricos cuja satisfação resultaria em sucesso profissional. Não era ensinado, contudo, a lidar com os anseios que a vida lhe guardava. “O problema,” prosseguiu, “é que esse é o tipo de ensinamento que não pode ser repassado nem pelos mais brilhantes professores ou doutrinadores, filósofos ou sociólogos; somente pela própria vida.”
Cabe-nos agora questionar: de qual vida falamos? A vida em que se estuda, se forma, se consegue um bom emprego, se casa, se tem filhos e vive-se felizes para sempre – ou não.
Não. A lição dessa vida socialmente construída, dentro de padrões pré-estabelecidos, limita-se a nos ensinar a passar pela vida – e só.
Essa vida normal – palavras dele – é a constância que leva qualquer indivíduo a uma felicidade medíocre, no melhor significado da palavra. Não se está dizendo em felicidade falsa ou rasa, mas mediana, comum.
O ensinamento que enche a criatura de coisas outras e que lhes agrega uma felicidade antes inimaginável – originada de experiências, desejos, reflexões, medos e superações – não vem da vida comum, da estrada reta, devidamente pavimentada e bem sinalizada, que nos permite viajar a duzentos quilômetros por hora e chegar a todo e qualquer destino planejado.
 A felicidade diferenciada é aquela que sentimos ao encontrar belezas após a curva sinuosa da ruazinha de terra cuja entrada se vê à margem da rodovia – aquela impossível de ser vista pelo condutor a duzentos quilômetros por hora.
Pra saborear esse caminho, é necessário abandonar o asfalto, os planos bem bolados. É necessário ter coragem de ir sem saber pra onde, sem saber o que vai encontrar e sem sequer ter a certeza de que vai encontrar alguma coisa – nem sequer um posto de gasolina.
Acontece que é justo quando o combustível acaba que se descobre o tamanho exato do tanque. É então que, no meio do nada, isolados do resto do mundo, nos deparamos com questões mais graves e sinceras. E agora? A faculdade não ensinou. O pai não educou. A igreja mandou ter fé, mas não desenhou a solução. Platão questionou, Sartre teorizou, Nietzsche devaneou, mas nem Zaratustra deu a resposta.
Acontece que é no caminho – seja adiante ou de volta – que o perdido encontra a si mesmo, encontra desconhecidos que lhe dão carona e acabam dando carona em suas viagens mentais que, mesmo pé ante pé, transportam os viajantes de um mundo a outro. É nesse caminho que se saboreia morangos silvestres, que se mergulham as mãos em sacos cheios de cereais ou se jogam inteiramente em piscinas de spaghetti. É nesse caminho que se aprende a brincar de mímica, que se aprende que sexo não é amor e se memorizam livros antes de serem queimados. É nesse caminho que se aprende que calar é mais complexo que dizer.
E então, ao final da jornada, talvez um pouco mais encontrado, talvez um pouco mais perdido, o indivíduo olha para frente e olha para trás. Olha para os lados, pra cima e pra baixo e sente-se fundido ao mundo.
Após a palestra dada na mesa amarela de bar, cervejas derramadas nos copos e cadeiras de plásticos transformadas nas mais confortáveis poltronas, questionei-me se a melhor educação visa chegar ao destino pretendido, pela rodovia bem sinalizada, ou se visa o perder-se no mundo. Consegui, naquele momento, visualizar a escolha inconsciente dos meus pais.
Acontece que, perdida entre dois mundos, não encampei nem uma nem outra causa. Flutuando entre as existências, perguntei ao douto palestrante se o melhor era o caminho do meio, ao que me respondeu com sorriso malicioso: “Não há caminho do meio. Tem-se que escolher. O único caminho realmente necessário para sentirmos o mundo com intensidade é o que nos leva a nós mesmos. Mas não tire os olhos da rodovia.”