segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Pra que me obriga a pensar tanto?
Hoje era dia de falar de família, amor e paz, e não de fazer retrospectiva sobre tudo o que houve no ano.
Tendo a dizer que não houve nada. Minha vida se estagnou nesse ano. Mas eu estaria sendo injusta em não reconhecer todo o caminho que trilhei internamente. Me sinto mais preparada para enfrentar meus grandes medos, no novo ano que se inicia. Quais medos?
Inicialmente, tenho que registrar que duas coisas fantásticas aconteceram nesse ano: estou me mudando para o meu apartamento; encontrei um caminho espiritual a seguir, que ressignificou tudo o que eu havia aprendido e não me servia mais.
Logo no primeiro semestre, fugi. Fugi de mim e de uma realidade que eu não sabia enfrentar. Quis reencontrar se mim mesma na solidão de uma viagem sozinha, mas acabei encontrando o valor que adquire as pessoas a quem damos ao menos uma gota de valor. Em outras palavras, aprendi que o valor que cada pessoa tem é o valor que lhe damos.
Retornei e achei que muito de minha vida havia sido resolvida, mas foi cedo que o motivo de minha fuga me procurou. Com ele, tive que me dispor a aprender muito sobre mim mesma.
Enfrentei meu carma sexual, colocando-o em seu devido lugar.
Enfrentei minha carência, dando-lhe minha mão.
Enfrentei a dúvida, esgotando minha mente até que o cansaço me ensinou que respostas não são feitas; elas emergem quando estão prontas dentro de nós.
Enfrentei a rejeição, permanecendo inerte ante a verdade já conhecida.
Enfrentei minha irresponsabilidade quanto aos meus antigos relacionamentos, chegando a dialogar sobre isso com um deles.
Enfrentei minhas vontades reais e minhas não-vontades reais.
Enfrentei a necessidade de deixar as coisas como estão, ainda que pegando fogo, e virar as costas.
Enfrentei meu medo de ser abandonada, enxergando meu medo de abandonar.
Com isso, revi meus passos durante minha vida adulta. Escolhi mal, conclui. Mas se tivesse escolhido bem, teria durado? Teria sido feliz eternamente, sem saber de tudo que sei hoje, sem ter passado por todas as experiências que já passei? Certamente não.
Há quinze anos atrás, quando me casei pela primeira vez, eu não sabia o valor da paz, da individualidade, da confiança. Eu aprendi cedo o valor da parceria, mas nunca a tive e creio que é um dos primeiros critérios que analiso ao conhecer alguém. Se não fala a minha língua, como será meu parceiro?
Há nove anos atrás, quando me casei pela segunda vez, eu não sabia o valor da amizade, de mim mesma, nem do respeito. Aprendi a duras penas meu valor, depois de me perder inteira, depois de me desrespeitar por completo e depois de perceber que ao meu lado eu não tinha um amigo.
Hoje eu terei condições de viver um conto de fadas? Justo hoje, que sei que contos de fadas não existem?
Idealizar as pessoas, sem aceitar que são humanos, é o grande erro dos contos. O amor acontece, existe e prevalece. Mas príncipes não existem e princesas tampouco. Dias mornos são bem-vindos, dias quentes e frios também. Mas pra que esse amor prevaleça, sem passarinhos e rosas surgindo nos cantos do universo, é necessário ter algo que, parece, a humanidade se confundido.
Muito se tem falado em DECISÕES. Querem que decidamos. Decidamos no casar, decidamos nos amar, decidamos ficar juntos, tolerar, suportar. Foi assim que aprendi no encontro de casais em cristo... rs.. pois é, já participei de um desses, no intuito de salvar meu casamento.
Mas ouso dizer que estão todos errados.
Amor, confiança, fidelidade, lealdade, amizade, paciência, tolerância, persistência, insistência, cumplicidade... nada disso é fruto de decisão.
Tudo isso é, na verdade, consequência.
Consequência de pensamentos parecidos, de vibrações em sintonia. Consequência da sincronia dos valores dados ao sexo, ao dinheiro, ao esforço, à cultura, aos sonhos, ao riso, ao sono, ao espírito, ao eu. Consequências.
Obviamente, que se afastam tentações por decisões (o terceiro indesejado, a preguiça, a discórdia, a depressão, o desânimo, a descrença), mas são decisões que não pesam, porque o espírito já sabe que é só seguir o fluxo.
É como um rio que corre rapidamente e você flutua nas águas geladas, achando bom. Então, escuta um barulho na margem e percebe que tem alguns animais distraídos, em excelente posição para a caça. Então, você nada contra a corrente, segura num galho e salta para a terra. O rio continua passando e você toma a decisão de continuar no fluxo do ria ou não. Se essa decisão pode torná-lo um ser aquático, terrestre ou anfíbio, você não entendeu nada e ainda não segue a corrente naturalmente. No dia em que você for a água e a água for você; no dia em que o movimento da água for sua energia de vida, vai ver que não há escolha senão seguir o fluxo do rio. Os animais continuarão ali, pedindo para ser abatidos, mas você está ocupado demais seguindo o fluxo, como consequência de tudo que você sente, percebe, pensa, pertence, é.
Muito aprendi nesse ano.
Muito colocarei em prática no ano próximo.
Sinto-me saindo da escola com meu diploma na mão, cheia de idéias pra colocar em prática. Sei, contudo, que terei que bater em muitas portas antes do meu primeiro emprego; que errarei muito e precisarei da indulgencia do patrão; que aprenderei mais e mais a cada passo dado.
Mas certamente, o ano que se passou foi pra mim uma grande escola de mim mesma.



domingo, 23 de dezembro de 2018

Conheci uma mulher, das melhores amigas de uma minha amiga. Ela se pôs a beber e a contar de suas peripécias. A movimentada vida na faculdade, as festas e a sensação de poder sempre presente, por ser de família rica.
Me contou, às gargalhadas, do dia em que, literalmente, perdeu as botas caríssimas e tb do dia em que perdeu a porta do carro. Me contou do dia em que pagou para entrar num lugar que era de entrada livre e do dia que perdeu seu anel de brilhante na privada da festa, enquanto vomitava.
Palavras como carinho e amor não faziam parte do script. Sequer a palavra sexo foi utilizada. Em seu lugar, usou "foder", "dar", "trepar", "beber", "loucura", etc.
Confesso que ri. Ri muito. Ri bastante.
Me diverti verdadeiramente e cheguei mesmo a pensar em como minha vida adolescente havia sido sem graça, na faculdade de direito, com meus amigos íntimos e vida familiar sem qualquer  excesso.
Ela, cada vez mais bêbada, contava das festas, dos cílios postiços, dos peitos postiços, da cintura postiça, mas tudo dela, depois de pagos.
No meu infinito esforço de escutá-la, me sentindo o patinho feio (e pobre) da mesa, repentinamente, falei besteira: você nunca se casou?
Ainda não sei se foi a inveja camuflada ou a inocência da criança que pergunta a um adulto como viemos ao mundo. Não sei.
O sorriso sumiu e a voz estridente diminuiu o volume. Vi seu desconforto, junto com a sensação de arrependimento que me invadia.
Ela respondeu que havia sido noiva algumas vezes, mas que na verdade nunca quis se casar. Se enrolou pra dar mais justificativas, enquanto eu tentava contornar a pergunta inconveniente ou desdizê-la, falando, ah sim, tudo bem, vai ver não encontrou a pessoa certa... ou... ou...
O estrago havia sido feito e a conversa não voltou ao ritmo inicial.
Logo após meu "fora", as vi falando sobre o distanciamento que as atingia. "Sempre aqui" era seu lema, como em toda forte amizade, mas a realidade as distanciava a cada dia. Numa dessas lamentações, meu terceiro fora escorregou sobre a minha língua num simples comentário totalmente dispensável: uma disse que sentia falta da outra, a outra respondeu idem mas que essa era a vida e a vida era assim e eu, que deveria ter ficado quieta, disse que as vibrações de cada um determinam quem fica e quem sai da vida da gente.
Pronto. Estava passando da hora de eu pegar meu suco de maracujá e ir embora.
No carro, refleti sobre as reclamações da minha amiga acerca de seu marido, que parecia estagnado na vida. Com todas as histórias contadas, entendi como é difícil se despedir de alguém que já fez tanto por você, já dividiu tantas lágrimas e risos, mas que agora, vibra numa frequência tão diferente da sua. Sei que problemas sempre surgirão e suas soluções estarão ali, a um passo de sua decisão, mas a questão da dissintonia... ah, minha gente... a dissintonia não tem solução.
Assim aconteceu entre as amigas, enquanto uma decidiu enfrentar o espelho que é o par, numa relação mais íntima e a outra, decidindo não decidir, ficou boiando na superfície da vida.
Ninguém quer enxergar essa disparidade e preferem curtir o cuidado que um tem com o outro, a memória, os costumes, a enfrentar, o quanto antes, essa realidade que os corrói dia após dia.
Então, eu repito pra mim mesma: eis o problema da dissintonia. Não há solução que não seja sair. O mundo se ajeita e se ajeitar faz parte do mundo, de todo mundo.

@todaflortocantins

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018


Bia esqueceu a porta aberta. Leo espiou, mas não entrou, por cautela e respeito. O combinado tinha limites: a sala ampla e impessoal, durante o dia. Nada de noites, nada de acalantos, nada de horas mais que o necessário para o objetivo comum.

Mesmo sem adentrar efetivamente aos aposentos de Bia, os perfumes dela invadiam a sala opaca, suas vozes em cantoria, seus verbos em poesia, a qualquer hora. A cada minuto que passava, a cada encontro, mais Leo a conhecia. Quanto mais a conhecia, mais distraído ficava ao seu lado, e mais transparente se tornava, mostrando seus terríveis pensamentos e seus doces e humanos sentimentos.

No segundo dia do mês último, num encontro banal, suas carnes se sugaram. Talvez fosse o álcool, talvez fossem as vontades, talvez as saudades, mas algo existia ali que dava a Leo uma nunca antes vista tenacidade. Naquele dia único, Bia enxergou uma realidade paralela que, mais tarde, a confundiu. Estava encantada com o que vira, com aquele homem inteiro, maciço. Estavam naqueles olhos não só a carne, mas também a pele, a saliva, a alma, a mente, os arrepios do corpo, a palpitação do coração, o suor dos poros, o calor do sangue. Tudo, pela primeira vez desfragmentado, unido, denso. Era impossível não amar.

Os dias foram se passando e no último dia do mês último, um novo encontro. Dessa vez, um mero encontro carnal. Leo se fragmentara novamente. 

Bia se perguntava se conseguira se despedir do outro, do inteiro, mas já duvidava se um dia, o outro de fato existiu pra ela. Teria sido mais uma visão pela fresta que ele deixara, por descuido, aparecer ou teria sido apenas uma miragem?

A resposta é o que existe hoje. Hoje, existe um Leo fragmentado, partido em pedaços invisíveis a olhos pouco treinados, daqueles que não enxergam os brilhos nos olhares nem os cheiros exalados nos diferentes momentos da auto-doação.

Bia recolheu seus pensamentos e encolheu seu corpo. Densificou-se a tal ponto que, como um buraco negro, atraiu para si todas as partículas de si mesma que estavam espalhadas. Estava em lugar inseguro, com gente perigosa. Silenciou-se, como ensinou Leo, e o deixou passar com seus pedaços.