terça-feira, 27 de outubro de 2015

Querida B-ju, a pequena borboleta.

Sei que anda ansiosa, por ainda não saber qual a cor que suas asas vão tomar. Vou dar um palpite: desconfio que serão multicoloridas, com mais cores que o arco-íris. Você é uma borboleta de sorte!

Imagino que esse momento seja um tanto doloroso. Romper o casulo e irrigar as asas não deve ser tarefa fácil. Eu, como pássaro que sou, já nasci com minhas asas cor de anil; não passei por esse momento (ou seria tormento?). Desde muito nova, voava no céu azul. Preferia os céus sem nuvens, claros, sem os mistérios assombrosos da neblina, sem a escuridão regada pela fria lua.

Já você, logo iniciará seus vôos. Verá que suas melhores e mais incríveis descobertas em terra eram meros experimentos para a nova realidade que exsurgirá à sua frente. O mundo, la em cima, é bem diferente, cheio de sensações que certamente vão fazer você perceber como é abençoada por ter asas, por ser uma borboleta!

Quanto a mim, reparou bem. Não sei voar. Não mais.

Vou te contar uma pequena história da minha vida.

Nasci nas alturas, com asas fortes e bem estruturadas. Vivia voando de norte a sul. Às vezes, pousava sobre o telhado de algumas casas e ficava lá, observando, descansando minhas asas sobre as cabeças de seres que as não tinham. Vi nosso querido Sol nascendo e se pondo de ângulos que você jamais imaginou, com cores que nem mesmo os grandes artistas conseguiriam expressar. Vi luas sorrindo e luas sangrando. Vi estrelas nascendo e vi estrelas morrendo. Tive medo e regozijo nos céus de cores alaranjadas.

Certa vez, senti uma perigosa atração por uma dessas nuvens densas e cinzentas. Mais tarde saberia que ela, a atração, era física. Esse tipo de nuvem emite uma energia tal que atrai os pequenos e indefesos pássaros. Mas até então, eu desconhecia esse fato. Assim que entrei, não consegui mais sair. O atrito entre as moléculas – como eu disse, é física pura – produz energia, que queima, eletrifica. Me vi presa de nuvem, dentro dela, que me matava aos poucos. Num dia claro, rezei. Pedi que meu Pai Sol, que ilumina todos, me iluminasse também. Ele me atendeu de imediato e fez aquela nuvem se desfazer. Eu, já sem forças, não consegui voar. Cai com a chuva. Ao acordar, senti dor. Minhas asas estavam quebradas.

Há seres, minha cara borboleta, que não precisam de encontros para voar. Precisam, sim, de asas sadias, como eram as minhas. Eu, e com isso quero dizer “eu sozinha”, me bastava para belos e maravilhosos vôos. Particularmente, o encontro quebrou meus finos ossos, ao invés de me libertar.

Muitas vezes tentei consertá-los. Tentei substitui-los por pedaços de pau. Tentei até que um ser humano cortasse minha pele e os colasse, com cola, mesmo. Tudo em vão. Por isso, agora, contento-me na contemplação. Meus vôos acontecem no meu céu interior. Tive que aceitar essa realidade e aprender a viver assim, se quisesse sentir o gosto, mesmo que encapsulado, da felicidade.

Ao receber sua carta, preparei-me para convencê-la de que voar pode ser muito perigoso.

As borboletas, não sei se você sabe, podem voar a pouco mais de mil metros de altura. Poucas se arriscam, por inúmeros motivos, como o medo do chão e o medo do Sol. Se minhas asas se quebraram, foi também porque me arrisquei demais. Não tive medo da assombrosa nuvem cinza. 

Não te pedirei que não voe o mais alto possível, contudo; peço que se afaste dessas nuvens que te trazem sensações físicas inexplicáveis (agradáveis ou não). Isso porque temos no mínimo mais dois corpos, além do físico, que é o mais denso. Satisfazendo-o, ainda restarão outros dois esfomeados. Cuide para que possa agradar aos três.

Quanto ao chão, não tenha medo. Dele não passará e a ele retornará. Já o Sol – ah, o Sol! – cuidado! Você sentirá suas asas trepidarem se chegar perto demais. Vá até o seu limite. É bem perto dele que você verá as mais belas paisagens e terá as mais importantes experiências. Como eu disse, são poucas as ousadas. Você certamente será uma dessas.

Mas olhe! Se um dia eu tentar te convencer que o amor não existe, lembre-me que minhas asas quebradas são provas de que mesmo no engano, o amor vive na reles existência, ainda que não em sua finalidade. Lembre-me, também, que sem aquela densa nuvem, sem aquela terrível queda, sem a inesquecível dor dilacerante da fratura, eu jamais teria aprendido o valor dos valores.

Em fim, cara borboleta, se voltarei a voar ou não, não sei. Do jeito que avança a medicina da alma, talvez ainda seja possível, um dia. 

Certamente estou agindo errado, tentando consertar a mim mesma, para que possa voltar a voar sozinha. Certamente eu deveria aceitar a ajuda de seres mais leves, como o vento, que nos carrega com seu sopro suave, fazendo-nos bailar em sua harmoniosa melodia.

Na carta que me remeteu, você disse que temos a (doce) missão de esperar pelo “reencontro, que nos traga um sorriso, um longo abraço, um acalento para o peito cansado, um encontro de almas que precisam estar próximas para se sentirem inteiras”.

Reconheço meu erro em nomear de crença, minha fraqueza. Livrar-me-ei de minha prepotência, minha autossuficiência (tão insuficiente) e de meu individualismo que insistem em me abraçar numa insossa tentativa de sobrevivência. Reaprenderei a voar em melhor companhia que minha sombra vazia.

Aguardemos, pois, nossos bons ventos!
(frô)


Carta de Ju para frô

Para frô, um pássaro à espera do voo. Meu lindo pássaro azul, acredito que tenha essa cor pois te assemelhas ao teu lar, o céu. Longínquo, acima de nossa cabeça, portanto, acima de nossa razão. O céu e tudo o que nele existe, tem a incrível capacidade de nos tornar mais ternos: O pôr e o nascer do sol, as estrelas e lua, a chuva. Talvez por isso seja o lugar do pássaros...o pássaro vive com a “cabeça nas nuvens” e tem a sorte de saber bater as asas e sair por ai, diferente daqueles que nunca verão as belas paisagens lá de cima, por ficarem sempre com os pés no chão. Desculpe a intromissão em tua vida pacata, sem muitos sonhos...desculpe também por tocar na ferida aberta que em teu peito há. Mas não pude deixar de notar...tu não sabes voar. Escutei rumores de que isso se deve a tua incredulidade em relação ao amor. E tive que acreditar, pois sei bem que quem não acredita no amor, não pode voar. Quero acalentar teu peito cansado, meu caro pássaro, dizendo que todos nós sabemos amar, só nos resta apenas a sorte do encontro. Deve estar a se perguntar que relação tem o encontro com o voo. Esclareço, o amor não acontece para aqueles que desesperadamente o buscam, mas para aqueles que são agraciados com a oportunidade de encontrá-lo por ai. Pode lhe parecer triste demais a ideia de esperar, mas não se entristeça meu caro, é no tempo de espera que nossas asas ganham força. Pois para amar, assim como para voar, é necessário se preparar psicologicamente para conhecer o mundo gigantesco que é o outro ser , novos lugares, novos mundos...requerem de nós coragem e força para encarar o mundo lá de cima. Talvez seja essa a nossa maior missão, e quem sabe a mais doce delas... A espera pelo reencontro, que nos traga um sorriso, um longo abraço, um acalento para o peito cansado, um encontro de almas que precisam estar próximas para sentirem que são inteiras. Todo mundo sabe amar, todo mundo pode amar..só nos resta a sorte do encontro. “Neste mundo de tantos anos, entre tantos outros...que sorte a nossa heim?!”. Querida amiga, desejo-lhe sorte.