quinta-feira, 16 de agosto de 2018


Começo a sentir a presença da velhice. Meus amigos riem. 
As linhas se aprofundando na minha pele deram o sinal de sua chegada.
Navegando entre os sulcos que começam a se formar embaixo dos meus olhos, percebo meus medos que subsistem.
Esse foi o primeiro pensamento que tive, ao olhar a mulher do espelho.
Antes de pensar nas minhas histórias, nas minhas conquistas e desistências; antes mesmo de pensar nos sonhos realizados e nos planos que ainda tenho, pensei nos medos.
Minha meia-vida chega – sou otimista. A vida, dobro-a ao meio. Meu meio é meu início. Meu fim se confundirá com o começo – sou otimista. 
Viverei de novo o que já vivi ou viverei apenas o novo? Preciso aparar minhas arestas. Preciso me curar da dor da gravidade. Preciso entender ou só devo viver? Acho que eu já deveria saber. Mas não sei. Não é chegava ainda a idade da contemplação? A idade de compreender que as coisas são simples e aceitá-las como são? Ainda não tenho essa maturidade. Devo estar atrasada, porque ainda quero. Ainda sinto. Sinto muito quando as coisas não funcionam como eu creio que deveriam funcionar. Sinto muito um amor não vivido. Sinto muito um olhar perdido. Sinto muito as palavras engasgadas e ainda mais as mãos amarradas.
É chegada minha meia vida. Deveria eu comemorar? Daqui em diante, dobro a esquina. Retorno rumo ao reinício. Mas antes de reiniciar, terei um completo apagão em minha mente. Minha alma saberá?
Não sei. Ainda não é hora de saber. Deveria ser?
Deus meu! Tende piedade dessa moça questionadora. Moça, não. Dessa mulher de meia vida. Me permita viver sorrindo, mesmo sem saber dos mistérios do universo. Que minha ignorância me conduza à fé que esclarece direto aos corações. Não é fé cega, não. É fé da compreensão íntima, entre almas que se comunicam sem palavras. 
Dobro-a ao meio.
Ainda tenho o tempo que já vivi, a viver – já disse que sou otimista.
Já passou meu tempo de errar. Preciso do acerto, porque pode ser que eu não esteja exatamente no meio. Corro ainda o risco de me abortar. Acontece que o acerto não dá garantias. A única garantia que dá o acerto é de ser a única coisa verdadeira no mundo: a escolha, depois que se escolhe.
Posso estar no meio do tempo, mas o caminho não é o do meio. O caminho é o caminhar. Pende para um e outro lado. Decide em bifurcações. Inspiro minha coragem para viver em forma nova, todo o tempo que já vivi.
Não pretendo que seja tudo diferente. Pretendo que seja como tem que ser. E será, mesmo que eu não pretendesse nada. Mas será o que eu pretender, se assim o fizer. O farei. Deixarei para trás as flores que já me deram. Deixarei para trás as almas que me abraçaram. Deixarei para trás os beijos que recebi. Agora, o novo. O novo que pode ser novo e o novo que pode ser velho – como eu. Hoje, sou. Estou preparada para a próxima metade, assim como sempre estive para o amanhã.
Minhas linhas ficam mais profundas a cada dia. Não sei como será. Preciso correr. Não, não preciso. Preciso viver. Que sutil diferença! A idade começa a fazer sua magia. 
Olho no espelho a mulher com meia vida. Só meia, ainda.