terça-feira, 2 de outubro de 2012



Ana não era como as outras mulheres. Ou era, mas José não sabia e não tinha como saber, porque era José e não, Ana.

José gostava de sua independência. Não precisava de ninguém para olhar por ele, para cuidar dele, fazer comida, arrumar a cama. José sabia respirar, sonhar, rezar, gozar, pensar, comer, amar e morrer sozinho. Não precisava de ninguém para fazer por ele ou com ele essas coisas elementares.

Precisava, sim, era de alguém que lhe fizesse o que ele e ele não seriam capazes de fazer, nem juntos, nem sós.
 
Precisava de alguém para sentir seu cheiro e sentir que ele sentiu seu cheiro também; não precisava de uma mulher para respirar ao seu lado.
Precisava de alguém para olhar para ele e ir além da superfície de seus olhos.
Precisava que lhe ouvisse a voz e as palavras e tudo o que, angustiosamente, elas tentavam traduzir.
Precisava de alguém para que sua pele fosse acariciada, na certeza de que se tocava milhões de células-José, e não apenas um aglomerado de pele.
Precisava de alguém para sentir o frescor de seus cabelos quando limpos e o calor, quando suados.
Um alguém que olhasse seu sorriso e enxergasse o motivo da boca exageradamente aberta, a mudança da expressão do espírito.
 
Mas José tinha Ana.
E Ana sentia a lisura escorregadia dos cabelos e a pele morna de um homem com dois olhos e uma boca, cheia de dentes.
 
E José iria continua precisando, e jamais conseguiria deixar de precisar, enquanto José, porque Ana.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012


Três pessoas repetiram, na última semana, 
uma frase que me deixou muito pensativa:
“Você é boazinha demais...”

O tom de lamentação também se repetiu.

Acordei cedo. Tomei uma chuveirada quente. 
Vesti uma calça skinny, coloquei um sobretudo e escolhi meu maior salto. 
Arrumei os cabelos num “coque” lá no alto e fiz uma maquiagem ao estilo Black. 
Batom escuro e delineador forte. Perfume porque o cheiro faz parte do clima. 
Dei uma olhada no espelho e também um suspiro.
Sai pisando duro, com toda elegância. 
Empinei o nariz e até o queixo. 
Corpo ereto, caminhando firme e repetindo: 
“Sou má. Muito má. A maldade está dentro de mim. 
Estou ficando cada vez mais má. Muito má. 
A maldade está encontrando meu sangue quente em minhas veias. 
Má. Má. Muito má.”

E lá de longe, vi um beija-flor 
entrando na minha sala e estagnando meus pensamentos malvados. 
Pensei , imediatamente: 
“ô dó... querendo sugar a seiva plástica...”
Voltei a mim com meus passos leves.
Ser má não é pra qualquer um. 
Ser má também exige dom!

(frô)

sexta-feira, 27 de julho de 2012


Coisas incríveis que fazemos  durante o processo de maternidade (ninguém nasce mãe, não é mesmo???)

Entrando no carro, eu, às 18:20: “Amor, hoje foi supercansativo...”
Filho 1: “Mãe, eu ‘se comportei’ hoje na escola!
Eu: “”ME COMPORTEI..” Que bom, meu pequeno! Fez as tarefinhas direitinho?”
Filho 1: “A gente fizemos tudinho!”
Eu: “”NÓS FIZEMOS ou A GENTE FEZ”... E bagunça, fizeram também?”
Filho 2: “Só um pouco. A tia não brigou!”
Eu: “Beleza! Eihn, amor... Pelo menos, consegui colocar o trabalho em dia, mas ainda restou muito serviço.”  
Filho 3: “Buáaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!”
Filho 1: “A Galiiiinha pinta-di-nha! E o Gááá-lo Ca-ri-jóóó ...”
Filho 2: “Mãe... o que é ‘espírito’?”
Eu: “Espírito.. é...”
Marido: “Mas falta muito, ainda?”
Eu: “Muito o que..?
Marido: “Trabalho...”
Eu: “Filho, canta baixinho... mamãe tá com dor de cabeça! Ah... o trabalho...talvez termine em uns três dias... e vc.. como foi seu dia?”
Filho 2: “Espírito... o que é, eihn, mãe?”
Filhos 1 e 3: “Há-hahahahaha!”
Marido: “Corrido, também... Fiquei sabendo que o Fulano teve que vender o carro!”
Filho 3: “Buááááaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!”
Todos: "O gaaaaa-lo nem ligoooou... e os pin-tinhos fo-ram correndo..."
Eu: “hum... Espírito é o seu... ‘eu interior..’... aff....”
Filho 1: “Mãe, acho que o neném fez cocô!”
Filho 2: “Não entendi nada!”
Eu: “Mesmo...? Por que??”
Filho 1: “Ué... porque tá cheirando cocô!”
Marido: “Porque levou um ‘tombo’ do sócio!”
Filho 2: “Porque eu não sei o que é “euinteriô””

Eu: "Ah.... deixa pra lá..."

segunda-feira, 23 de julho de 2012








Se escrevo com minha letra normal, chega no final da margem e a última palavra nunca acaba no momento certo em que acaba meu espaço sobre a linha. 
Muitas vezes, nem o hífen resolve a questão. 
Falta mesmo o botãozinho pra “justificar” o texto, pra ficar tudo quadradinho, perfeitinho.
Daí, eu reduzo a letra e os espaços entre as letras. Eu condenso a escrita. Às vezes, dá certo. Outras, tudo se repete e meus textos nunca terminam no final da linha.
Em alguns momentos, quando pressinto – é um ato complexo, que exige mais que observação dos fatos atuais – que vai sobrar espaço demais, eu aumento o espaçamento entre as palavras e quando pressinto que vai faltar espaço, eu condenso as ultimas palavras. Mas ainda assim, quase nunca acerto o ponto final no último milímetro da linha.

E então fico pensando: será que vale tanto esforço, se meu esforço parece indiferente ao mundo? 

E essa pergunta pisa sobre minha mente e a alma e maltrata meu viver.  

terça-feira, 17 de julho de 2012

Estive passeando hoje por casas alheias e achei algo interessante... compartilho:

Ele: A grande verdade (...) é que no dia em que for indiferente casar ou não, é que se deveria casar. O amor nesses casos já atingiu um estágio em que pouco importa o que seja casamento ou não. Mas geralmente fazemos o contrário e sentimos necessidade do casamento, e sem cometer pecados tão graves, nos condenamos ao purgatório.

(...)

Ela: Eu cheguei num determinado momento de minha vida (...) que pouco me importa saber o que está certo e quem está errado. Eu quero é tempo suficiente ainda para ser o que eu já deveria estar sendo há muito tempo (...).

É.... faz sentido... faz muito sentido..
fragmentos de (http://ocasamentoexigeamor.blogspot.com.br/)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Pro meu bem...


Eu sei lá por que é que você veio pra mim!

Tudo o que te falo é vil, é vão, é fosco, é feio, é torto, é oco.
Se pronuncio palavras você as recebe,
Mas as perde todas na junção.
Frases inteiras com nexos que brilham
No infinito, no finito, no escuro e no clarão!
Tão legais!
Mas pro meu desespero,
Todas elas se esfarelam, na sua mão.

“Somos diferentes!”, você grita. Eu sei, eu sei!
Mas por que, então? Onde está tudo aquilo que eu procurava?
Cadê as horas de conversas sobre idéias, teorias, filosofias?
Cadê os assuntos apolíticos, poéticos, proféticos?
Cadê?
“Patéticos...” – você retrucava...
Sim, patética nossa interseção...
Não entendo nosso gosto, desgosto.
Nossa casa, nossa mão, nosso olhar, nosso altar.

E anoite, me sinto sozinha no meu mundo inteiro frio,
Um cheiro vazio, um olhar torto nesse mundo sem sentido.
E você me recebe sem muito querer saber,
Me aconchega no peito, me sente te sentindo,
E os ventos se acalmam,
As ondas se acalmam,
A alma se acalma e

Se acalma a respiração.
E entendo sem palavras,
porque sim e porque sim, e por que tanto
e porque não.

(frô)


A nuvem se aproximava de mim, lá em cima, no céu, dentro da janela que vejo aberta do nosso quarto.
Ela foi se aproximando. Ela foi me comendo, devorando minha pele, minha carne. Me consumindo célula por célula, dolorosamente, ardentemente e friamente.
Como se não doesse.
Tudo ao meu redor começou a girar numa velocidade terrivelmente veloz, sugando meu travesseiro, meu colchão, meu teto, meu chão.
Já ia te avisar que ela ia te sugar, já ia te segurar, mas já era tarde.
Você também foi sugado pela nuvem devoradora de pessoas, ideias, sonhos, realidade.
Fechei os olhos e pedi: Deus, me adormece pra parar de doer?

quarta-feira, 20 de junho de 2012



Há alguns dias, estive em Brasília.
O clima seco, fresco. Pra mim, bastante agradável.
Eu andava pelas calçadas dos prédios em alguma
quadra do Setor Comercial Sul.
O que eu via não me era agradável...

Pessoas caídas, desmaiadas.
Cobertores encardidos cobrindo corpos, deixando-me ver os pés,
também encardidos.
Quantos? Tantos!

E, no meio do caminho... não, não era uma pedra. Era mais um homem.
Pude sentir seu cheiro.
Um cheiro que me murchava o corpo, 
na esperança mesquinha de não precisar inspirar novamente.

Passei rápido, assim como outros tantos casacos e ternos.
Fingi que não o vi, assim como tantas outras calças e sandálias. Mas o vi.
E vi também algo ainda mais chocante.

Ao lado do homem caído, talvez a um metro, um casal apaixonado.
Eles se abraçavam, trocavam carícias, conversavam, riam e se beijavam.
Ao chão, gente. A um metro de chão.

Lembro-me que, no meu tempo de criança, minha mãe puxava-me 
para perto dela – e longe do ser humano caído. 

Sinceramente, é compreensível. 
Tudo é compreensível. 
Ou melhor, 
quase tudo.

Nossa pressa. Nosso tempo. Nossa impotência. Nosso fingimento.

De nada adiantaria nem pouca, nem muita ajuda.
Nem pouca, nem muita compaixão.
Nem pouco, nem muito amor.
Nem pouca, nem muita mão.

Mas deleitar-se ao sabor do beijo do ser amado, 
mergulhar na voluptuosidade de seus corpos 
a um metro de um ser humano.... ao chão?

Ah...
Mais humano me soaria se tivessem atravessado a calçada.

(Queria muito ter tirado uma foto. Não tive como. Estava atordoada. Pensamentos, culpas.)

segunda-feira, 7 de maio de 2012


A vida, sem pipoca doce....
“Ai... tanta coisa pra fazer! Fico pensando como aquela criatura ousou invadir assim minha privacidade! E fora que tudo por causa da minha situação atual. Jesus, não nos desampare nesse momento! Não entendo o porquê de tudo isso. Por que é que precisamos passar por isso. Um dia, Deus vai me mostrar, vai me deixar entender! Mas antes, vai me ajudar a superar! Chegamos a um pouco que jamais imaginei. Mas vamos adiante! Fé e esperança! Contas, contas. Checar o saldo... sim, tenho que colocar na agenda.. checar o saldo! Colocar na agenda também pesquisar sobre...”

A vida, com pipoca doce...
““Ai... tanta coisa pra fazer! Fico pensando como aquela criatura ousou invadir... huum... essa tá boa!  Jesus, não nos desampare nesse momento! Essa tá crocante... olha aquela ali! Vai ser a próxima!  Então... Um dia, Deus vai me mostrar, vai me deixar entender! Nhac, nhac... huum... como isso é bom!...  Fé e esperança! Contas, contas.... Nhac... hum.... Pipoca tem o poder de perfumar a casa inteira! Doce, então! Colocar na agenda também pesquisar sobre... huuum.. nhac, nhac... acabou a pipoca... aiai, deixa eu ir ali lavar as mãos... procurar alguma coisa pra fazer e parar de pensar de vez!”

Tá vendo? Pipoca é um santo remédio pra síndrome do pensamento crônico (?)... e pra quem tem TDAH... funciona que é uma beleza!

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012


E vivo muitas vidas em minha vida e me pergunto qual delas é realmente minha, se é que alguma delas passa perto disso, essa história louca de ter uma vida.
Mas a verdade é que muitas delas – talvez vidas inteiras, talvez faces da mesma – são vividas concomitantemente, pra não dizer desesperada e atropeladamente, nas nossas curtas e ansiosas vinte e quatro horas do dia!
E no meu íntimo, fico apreensiva pra saber se vou conseguir viver todas essas vidas dentro da minha única e singular vida de hoje – sim, penso no hoje porque se eu for pensar em cada segundo e nas tantas vidas que têm que caber, fracionadas, dentro deles, acho que ai que perco o juízo de vez!
O que importa, com tudo isso, é que querendo ou não, vivo essas todas vidas ai, aqui. E isso tudo independe se é voluntário, obrigado, necessário ou mesmo consciente.
Assim, tampo o nariz e os olhos e continuo vivendo alegremente....
E eis que exsurge a vontade de escrever! Ela se transforma, logo, quase numa necessidade...! Mas, que estranha companhia, o medo, do escrito, de ser lido! É quase uma insanidade!!!

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

E se me perguntassem o que seria de mim sem mim mesma, talvez eu ficaria em silêncio por longos segundos – segundos, não minutos, porque segundos se esperam mas minutos se esquecem – então, eu diria em voz branda e sem ousadia alguma que eu, sem mim, sou isso que conhecem e não o que sou.
(frô)