segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Esses casais precisavam se conhecer...


Ainda pela manhã, um casal entrou em minha sala para requerer seu documento. O rapaz disse que seu agendamento fora realizado para o primeiro horário e que deveria ser atendido antes da esposa, portanto.
No momento de tirar a foto, a mulher ajeitou o cabelo do marido com as mãos e ele, se esquivando, dizia que melhor não ficaria. Fotografei. Ela olhou e disse que tinha ficado ótimo. Ele fez que sim com a cabeça e terminamos o atendimento.
Iniciei, então, a conferência dos documentos da esposa. Tirei sua foto e ela, sorridente, perguntou ao marido se ficara bem. Ele respondeu com um seco “tá bom”. A moça, linda (até demais para ele, como insiste em registrar “meu” amor-próprio-em-prol-dela), estampou um sorriso amarelado, explicando que o rapaz era “assim mesmo”. Fiquei tentando entender o que seria ser “assim mesmo” em outras situações. Os atendimentos foram finalizados e o casal se foi.

Já pela tarde, um outro casal apareceu na minha sala. Ele, simples mas elegantemente vestido, com uma pequena boina sobre os cabelos branquinhos como neve. Ela, num Chanel devidamente escovado, pulseiras belíssimas e todas as manchinhas e ruguinhas que lhe eram de direito. Entraram juntos e pediram que juntos fossem atendidos. Ele me apresentou uma pastinha vermelha, com toda a documentação dela devidamente organizada. Fiz a conferência e tirei sua foto. Ele pediu para vê-la. Virei a tela do computador e ele, sorrindo, aprovou a imagem com um sonoro “ficou linda!”. Ela sorriu tímida e carinhosamente.
Os documentos dele estavam numa pastinha verde, também organizados. A conferência correu tranqüila. Quando indiquei a cadeira para tirarmos sua foto, a esposa apareceu com um pentezinho para ajeitar seus cabelos grisalhos. Ele esperou pacientemente. Clicado, ela espiou. Aprovou, com a mesma timidez do agradecimento: um sorriso simpático.

Ao final do dia, olhei ambas certidões de casamento. O primeiro casal contava com meros sete anos de união. O segundo registrava sessenta e cinco, além, segundo eles fizeram questão de me esclarecer, dos sete anos de namoro!

“Esses casais precisavam se conhecer...”, pensei.

domingo, 11 de janeiro de 2015
















Não foi um lance; foi um romance!
Daqueles, bem “água com açúcar”, meloso, fofo.          
Daqueles que eu insisto em dizer que quero distância,
Por que falta tempero... e é tão insosso!
Justo eu, que troco qualquer banquete salgado
por um único e solitário brigadeiro!

Extravasando minha essência,
Apesar das aparências e manifestações,
Seu cheirinho me traz sentimentos coloridos.
São vontades perfumadas,
Pelas circunstâncias, trancadas,
A um passo de mim, de nós.

E chega um dia em que o passo, que era espaço, some.
E seus olhos, que mal falavam,
Palestram e discorrem sobre temas universais.
E seu sorriso, que se resumia a dentes grandes,
Relembra e grita, lascivo,
Histórias inteiras de desejos e sensações.

Mas chega um dia em que o espaço, que era um passo,
Torna-se uma vida inteira de andança.
Ao contrário do romance, efêmero, doce e fugaz,
O passo se multiplica em verdadeiras reticências
Relembrando, cada pontinho, toques e perfumes,
Guardados em segredo no infinito das lembranças.







quarta-feira, 7 de janeiro de 2015



José caminhava olhando para trás, desconfiado. Ana caminhava olhando para cima, distraída. Cada um de um lado da esquina. A velocidade constante. O choque óbvio. Ninguém sairia ileso. Três, dois, um.

Ana se segurou como pôde, mas acidentalmente agarrou-se nos braços de José que, calculando todos os movimentos, permitiu-lhe o encontro com o chão, rasgando-lhe a pele. Ana caiu. José permaneceu de pé, mas o choque o atingiu por dentro. Ana teve fraturas várias. José, uma hemorragia.

Ana dizia que algo doía. Não sabia o que era. Se soubesse, nada diria. A expressão da dor era, no entanto, explícita. Precisava de José para aliviá-la, causada por ele mesmo. José, por outro lado, aproveitava que a hemorragia era interna e fingia que nada sentia.

Ana nunca perdoaria José pela indiferença. Ele a machucara. Ele era quem poderia curá-la. Mas ele permanecia indiferente, escondendo sua própria dor. Ele sabia que a cena era necessária. Ana jamais caberia em José nem tampouco José caberia em Ana.

Levantaram-se sozinhos. Pediram-se desculpas. Seus olhos trocaram um último beijo. Seguiram suas ruas. Ana tinha agora um pouco de José. José tinha agora bastante de Ana.

Quilômetros foram caminhados. Esquinas dobradas. Outros esbarrões com outras gentes foram sofridos. Verdadeiros atropelamentos.

Até que... Ana, de muito longe, sentiu o cheiro de José. Aquele cheiro tão José, que nunca mais sentira, mesmo em Joãos usando o mesmo perfume. Continuou sua caminhada atenta. Suas mãos sentia saudades da pele dele.

José sentiu que alguém voltaria de muito longe. Não sabia se eram lonjuras de espaço ou de tempo. Mas o tempo e o espaço mais uma vez coincidiria num novo encontro.


José passou apressadamente por Ana, sem nada perceber. Santa distração! Ela, contudo sentiu seu cheiro, dizendo um “oi”. José não sabia se tinha escutado sua voz ou se a vira em seu olhar. Fitaram-se longamente por um único segundo irracional. As mãos tocaram mutuamente os rostos, um do outro. Não havia espaço para mais choques. Não havia tempo para mais traumas. Abraçaram-se em braços, corpos, perfumes, texturas. Almas fundidas. 

(frô)