quarta-feira, 7 de janeiro de 2015



José caminhava olhando para trás, desconfiado. Ana caminhava olhando para cima, distraída. Cada um de um lado da esquina. A velocidade constante. O choque óbvio. Ninguém sairia ileso. Três, dois, um.

Ana se segurou como pôde, mas acidentalmente agarrou-se nos braços de José que, calculando todos os movimentos, permitiu-lhe o encontro com o chão, rasgando-lhe a pele. Ana caiu. José permaneceu de pé, mas o choque o atingiu por dentro. Ana teve fraturas várias. José, uma hemorragia.

Ana dizia que algo doía. Não sabia o que era. Se soubesse, nada diria. A expressão da dor era, no entanto, explícita. Precisava de José para aliviá-la, causada por ele mesmo. José, por outro lado, aproveitava que a hemorragia era interna e fingia que nada sentia.

Ana nunca perdoaria José pela indiferença. Ele a machucara. Ele era quem poderia curá-la. Mas ele permanecia indiferente, escondendo sua própria dor. Ele sabia que a cena era necessária. Ana jamais caberia em José nem tampouco José caberia em Ana.

Levantaram-se sozinhos. Pediram-se desculpas. Seus olhos trocaram um último beijo. Seguiram suas ruas. Ana tinha agora um pouco de José. José tinha agora bastante de Ana.

Quilômetros foram caminhados. Esquinas dobradas. Outros esbarrões com outras gentes foram sofridos. Verdadeiros atropelamentos.

Até que... Ana, de muito longe, sentiu o cheiro de José. Aquele cheiro tão José, que nunca mais sentira, mesmo em Joãos usando o mesmo perfume. Continuou sua caminhada atenta. Suas mãos sentia saudades da pele dele.

José sentiu que alguém voltaria de muito longe. Não sabia se eram lonjuras de espaço ou de tempo. Mas o tempo e o espaço mais uma vez coincidiria num novo encontro.


José passou apressadamente por Ana, sem nada perceber. Santa distração! Ela, contudo sentiu seu cheiro, dizendo um “oi”. José não sabia se tinha escutado sua voz ou se a vira em seu olhar. Fitaram-se longamente por um único segundo irracional. As mãos tocaram mutuamente os rostos, um do outro. Não havia espaço para mais choques. Não havia tempo para mais traumas. Abraçaram-se em braços, corpos, perfumes, texturas. Almas fundidas. 

(frô)

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