quinta-feira, 28 de junho de 2018

O doutor diagnosticou que ela estava apaixonada, mas Lorena sabia que não.

Saiu da sessão decidida a encontrar onde, nela, João atingia. Não era seu coração e disso ela sabia. O doutor estava equivocado.

Lorena chamou João e tomaram um café. Ela o observava, curiosa. Dizia coisas que, sabia, não eram para ser ditas, mas necessitava dizê-las para observar João e, principalmente, os efeitos que lhe causariam as reações dele.

A cada passo dado, olhos e ouvidos atentos, a expectativa a resumia. Dia após dia de observação de si mesma, Lorena começou a reconhecer suas sensações. Não era tesão. Não era amor. Não era paixão. Era mais brando, duma cor lilás aveludada, que não incomodava. Reconheceu que era algo, mas não era um sentimento. Ocupava espaço dentro dela e lhe causava inércia, porque se retroalimentava.

João era um poço que pedia diariamente para ser mergulhado. Lorena aceitava o convite. Mas também não era o convite que a excitava.

A cada mergulho conhecia brilhos novos nas profundezas daquele poço. Era a curiosidade que a movia na direção da água, na direção do desconhecido que tantas sensações lhe proporcionava.

Lorena não se vinculava à aquele poço. Não se reconhecia nele.

Ele era extensão de João, que ninguém cinhecia, que ninguém acessava.

Nas profundezas do poço, havia terra. Lorena sabia. Mas sabia também que se tentasse chegar ao chão, se afogaria.

Aquelas águas lhe pareciam - sentia - demasiado traiçoeiras.

Notou que quanto mais afundava, mais as águas pesavam sobre seu corpo e dificultavam sua emersão. João, seu chão e suas águas. Lorena e sua curiosidade fatal.

O poço recebia Lorena com águas geladas, desconfiadas. Aos poucos, porém, se acostumavam.

Ele, com aquele corpo estranho dentro de si, passava a achar graça na sensação estranha que lhe causava.

A temperatura da água, nela, passa a ter efeitos inesperados, como uma cachoeira que purificava.

Aos poucos, ele foi achando normal Lorena nadando em suas águas e passou mesmo a esperá-la, ansioso.

Passou a se tornar mais denso quando a percebia demasiado pesada, facilitando que flutuasse; e menos condensado quanto a percebia leve demais, tornando-se um pouco mais permeável e garantindo sua imersão.

A pele dela, ao seu tempo, aprendia a lidar com as nuances da água, com suas transformações físicas que, percebia, não atingia sua natureza. Quente, morna ou fria, sabia que água era aquela, em sua essência.

João, no entanto, reparando que Lorena se familiarizara com o poço e que o poço não mais estranhava Lorena, reprovou tamanha intimidade.

Tirou, então, sem aviso ou explicação, a escada que levava ao seu interior.

Ao chegar para mais uma visita, Lorena se deparou com as fronteiras aparentemente intransponíveis. Não entendia os motivos de tamanha violência. Sua curiosidade se misturava a ira, orgulho e petulância. Teve suas verdades desafiadas.

Queria. Iria.

Escalou as paredes, com toda a perspicácia que tinha, e pulou para dentro do poço.

Flutuou, mergulhou. Desceu o máximo que pôde. Subiu. Nadou. Sentiu o contato das águas em seus poros. Se sentiu. Amou as águas e se amou.

Na hora de sair de seu último banho, contudo, Lorena hesitou. Cansada, já desistindo de nadar, viu que João a observava, de longe. Sorriu. Ele não.

Com ar de reprovação, aproximou-se calmamente. Assistiu sua visitante cansando-se. Esfriou-se inteiro. Ela, pálida, perdia as forças. Olhos estagnados. Muda. Lábios cerrados. Afundava, devagar.

Outro dia, na sessão, o doutor repetiu seu diagnóstico: é paixão!

Lorena sabia que seu pecado tinha outro nome. Disse, sorrindo: "Não. Não é, doutor! De paixão ninguém morre."

- Gabi.gmo -

As fadas

Ma minha vida, três almas me trouxeram um tesouro. Cada uma ao seu modo, em seu tempo, me trouxeram um pouquinho da mesma riqueza: detalhes mágicos.
A primeira vez que tive contato com uma dessas três fadas, meu espírito reagiu agressivamente. Nossas energias eram diferentes. Também pudera, eu era muito aquém dela.
Ela tinha o estranho dom de fazer tudo parecer cena de filme. Enquanto eu pensava no refrigerante com um salgado, com.ela acontecia a macarronada com vinho, na beira do lago - e era o Sena.
Era uma flor no cabelo, uma perninha levantada e pluft! Tínhamos fotos de cinema! Um cintinho amarrado aqui, uma botina no pé e a magia acontecia, entrando em personagens que eu sequer conhecia.
Depois da briga inicial, a admiração pra sempre. Entendi minha pequenez diante de alguém que fazia de uma simples sopa de legumes, um jantar especial.
Depois, conheci a outra fada. Eu poderia brincar, dizendo que era a fada do dente - e ela sabe o porque - mas vamos fingir que não falei nada. Pois bem, a segunda fada me ensinou sobre a delicadeza do amor. Ela fazia a mágica de transformar um docinho de padaria em uma jóia reluzente, quando colocava nele o pozinho do "eu pensei em você"; o toque no cabelo era transformado em calor que aquecia o universo inteiro dentro da gente. Os dedos na pele alcançavam o coração. Sabia que ela cheirava a lírio, mesmo que eu nunca tivesse sentido o perfume de um desses. Hoje, sei que eu estava certa. Ela cheira a lírio, mesmo, e embora saiba o perfume que ela usa, eu nunca - nunca - me atreveria a usar do mesmo cheiro. Eu não sei cheirar a lírio tão perfeitamente quanto ela e passaria uma grande vergonha.
A terceira fada é desvairada. Nesse momento, está do outro lado do oceano, vivendo um grande amor - que eu vi sendo plantado. Ela é tão, mas tão, mas tão linda, que por onde passa, ofusca até a inveja. A magia dela era parecida com a da primeira fada: também fazia de imagens simples, painéis dignos de se guardar na alma. Mas além de fazer parecer cena de filme, essa fada encantada tinha o dom de se colocar e nos puxar pra dentro da cena. Talvez a primeira também tivesse esse dom - e eu acredito que tenha - mas eu, na minha pequenez, ainda estava imatura pra deixar transformar minha realidade no ambiente mágico que ela se propunha. Voltemos à terceira fada. Ela deu ao meu filho, banho de banheira com muita, muita espuma, numa água quentinha num dia frio e cansativo. Depois, com três ou quatro velas e as luzes apagadas, nos deu de presente um lindo jantar à luz de velas. Hoje, me presenteia todos os dias com a esperança verdadeira - não aquela da espera com confiança, mas daquela do otimismo sem lógica, movido pela simples certeza da ação concreta no sentido que manda o coração.
Hoje, me disseram, sou formada fada. Será? Sei que elas existem - as fadas.
Eu sei e você sabe que não mais
estávamos na mesma sintonia.
Talvez tenha sido
Uma mera coincidência;
Ou o alinhamento certeiro
dos planetas, naqueles dias
- porque só naqueles dias,
a gente sabia que até o ar
que eu respirava,
era o mesmo ar que te envolvia.

Mas aí, sei lá o que se passou...

E o que eu dizia virou grego.
Eu voava, você dormia.
Eu dançava, você lia.
E meu ritmo te incomodava
E seu ritmo me angustiava
E suas mãos não me alcançavam
E minhas palavras ficaram mudas
E sua carne, por tantas fervia
E a minha pele não te aquecia...
E eu, ausente, com sua ausência vivia.

Era hora, meu amor! Era hora de partir!

Foi então que eu cai.
Nos meus vícios, me afoguei,
me sujei, me perdi.
E já no derradeiro sofrimento,
do tipo que dói tanto, que cura,
sai das minhas sombras, também suas.
(Não mais minhas, que fique claro)
E quanto mais você se distanciava,
Mais leve eu me sentia.
E ia subindo, subindo... e você ficou.

Me doeu tanto, meu amor!

Me ardia ver você, parado, com os pés
na terra sua, cravados,
se enterrando nos mesmos vícios de outrora.
Eu queria te dizer, mas me alertaram.. cada um com sua vida;
cada um com sua alma!
E rezo, desde então, pra que você caia!
Pra que a queda seja suave, mas que caia!
E então, depois da queda e da cura,
O mundo será, de novo, nosso.

- Gabi.gmo -

sexta-feira, 8 de junho de 2018

Eu sempre soube que era apego.
Eu só não entendia a quê.

Eu te idealizei e depois, te desconstrui.
Enxerguei seus defeitos, seus medos,
mas o apego continuava apegado a mim.
Usei da substituição.
Veio um, depois de você.
Depois, outro.
Mas você colecionava meus meses, anos!

Meditei pelo exaurimento de projeções.
Usei do eterno retorno,
Da sublimação.
Te desfiz por completo,
Te coloquei no chão, junto com o resto.
Mas de repente, você surgia na porta
E meu mundo simplemente se abria.

Até que me explicaram
Que a objeto de apego é o sofrimento
E não o outro.

A dor que você me impingia
Era tão só a dor que você sentia
E me transmitia, silencioso,
Enquanto eu segurava sua mão.

E como semelhantes que se atraem,
Afins que se complementam,
Quanto mais eu te sentia
Mais nos misturávamos
E um único olhar era capaz
De substituir o diálogo
de toda uma madrugada.

E o tempo que a gente se amava,
O tempo que nos restaria,
O tempo que já perdemos,
O tempo que a gente queria,
Eram todos relativizados
Naqueles eternos momentos finitos
Que vivíamos e viveríamos em nós.

Erro identificado, me permiti a desconexão.
Paulatinamente, com a mesma paciência
Da raposa que permitiu a aproximação.
E o sofrimento que eu sentia
Foi sendo iluminado pela minha luz
- essa, que te atraiu desde o início -
E fui me salvando de nós dois.

Hoje, estou aqui.
Te vejo aí e não dói.
Hoje estou curada.
Fique onde está
E tudo ficará bem.

Não dê nem mais um passo
em minha direção.