sábado, 18 de janeiro de 2014


Ana corria. Corria sem parar, sem pestanejar, sem hesitar. E todas as vezes que via José, corria ainda mais e mais e mais. Não queria encontrá-lo, ali, de pé, pronto para ela. E então, ao vê-lo, corria, como um fugitivo da própria felicidade.
Sabia que ali, naquela situação, naquela esquina, naquele momento, morava seu grande sonho oculto até de si mesma. Não ousava pronunciar o quão desejava, intimamente, a situação. Não ousava sequer pronunciar em pensamento. As palavras eram mentalmente substituídas por fitas brancas, de paz.
Mas José insistia em aparecer, vez ou outra, em sua vida. Usava caras e linguajar diferentes. Às vezes, usava outra alma. Outro nome, sempre. Sempre ressurgia, após cada fuga de Ana, em pé, à sua frente, pronto para realizar seu mais íntimo desejo.
Ao vê-lo, Ana corria. Sabia que o risco de cair seca ao lado de José era muito maior - e pior - que o de ser vista como uma louca, por correr contra seu próprio sonho. Mas a queda ao seu lado seria certa... e dolorosa. Dolorosa ao ponto de ser-lhe quebrados os ossos. E Ana não sabia se seus ossos eram realmente frágeis ou se apenas os sentia frios. A ardência da pele, a dor da carne poderiam ser suportáveis. Mas a quebra dos ossos talvez os levasse ao esfarelamento irreparável. Não podia correr esse risco. Podia viver sem a realização de seu sonho. Não sabia até quando, mas por enquanto, era possível. Preferia, portanto.
E eis que José mais uma vez a esperava, ao lado do poste, na esquina que antes mesmo de nascer haviam marcado.

Ao vê-lo, Ana parou. Girou sobre o calcanhar e disfarçou, como quem acaba de se lembrar de algo que esqueceu para trás - esquecera seu medo quando partiu e voltava para buscá-lo. Correu, então, na direção oposta.