terça-feira, 2 de outubro de 2012



Ana não era como as outras mulheres. Ou era, mas José não sabia e não tinha como saber, porque era José e não, Ana.

José gostava de sua independência. Não precisava de ninguém para olhar por ele, para cuidar dele, fazer comida, arrumar a cama. José sabia respirar, sonhar, rezar, gozar, pensar, comer, amar e morrer sozinho. Não precisava de ninguém para fazer por ele ou com ele essas coisas elementares.

Precisava, sim, era de alguém que lhe fizesse o que ele e ele não seriam capazes de fazer, nem juntos, nem sós.
 
Precisava de alguém para sentir seu cheiro e sentir que ele sentiu seu cheiro também; não precisava de uma mulher para respirar ao seu lado.
Precisava de alguém para olhar para ele e ir além da superfície de seus olhos.
Precisava que lhe ouvisse a voz e as palavras e tudo o que, angustiosamente, elas tentavam traduzir.
Precisava de alguém para que sua pele fosse acariciada, na certeza de que se tocava milhões de células-José, e não apenas um aglomerado de pele.
Precisava de alguém para sentir o frescor de seus cabelos quando limpos e o calor, quando suados.
Um alguém que olhasse seu sorriso e enxergasse o motivo da boca exageradamente aberta, a mudança da expressão do espírito.
 
Mas José tinha Ana.
E Ana sentia a lisura escorregadia dos cabelos e a pele morna de um homem com dois olhos e uma boca, cheia de dentes.
 
E José iria continua precisando, e jamais conseguiria deixar de precisar, enquanto José, porque Ana.