segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Sobre sermos como fios individuais.



Somos fios autônomos, cada um de seu novelo. 

Ao longo da vida, no emaranhamos com outros fios, atando e desatando nós.

Com o contato demasiado, tomamos algumas das características do outro, cores e até odores, mas nunca deixamos de ser um fio autônomo no universo de fios.

Essa compreensão é básica para sermos bons pais. Aceitar que nossos filhos possuem vidas independentes, com escolhas e destinos próprios, é algo que se assemelha à conhecida máxima de "educar filhos para o mundo".

Quando nos unimos a alguém, tendemos a cometer um erro grotesco: deixamos de lado nosso próprio destino para traçar um destino comum.

Nos confundimos facilmente. O mais estável e desejável seria olharmos juntos para a mesma direção, focando cada um em seu próprio destino, ao mesmo tempo em que mantemos a referência no outro para que não nos percamos na longa jornada. Ao invés disso, a sociedade nos impinge à criação de um ser abstrato que exige toda a atenção individual dos envolvidos: o casal. 

Ser uma só carne, como ensina a igreja. Abster-se de si para que o casal se fortaleça, como ensinam as histórias de amor. O problema é que o romantismo é lindo e aconchegante, mas a realidade é mortal.

A verdade é que não existe esse ser abstrato que se pretende corporificar, o “casal”. 

Existem, sim, duas pessoas autônomas, individuais que, compreendendo suas idiossincrasias, suas necessidades pessoais, aceitando que as dificuldades e máculas do outro são versões das suas próprias, decidem dar as mãos para chegarem ao – aqui existe um outro ponto de atenção – destino de cada um, individualmente. Dar as mãos, inclusive, pode ser melindroso, à medida em que um pode pesar para o outro. As mãos devem ser referência, devem ser toque suave a lembrança segura do caminho reto em momentos de perdição e fraqueza.

O destino individual exige a premissa de que o casal como sujeito não existe e, portanto, não possui destino próprio. Engloba-se aqui o conceito de família.

É imprescindível que se entenda que cada um tem suas metas e seus ideias; suas sombras a enfrentar e suas portas a encarar; seus méritos a colher e suas vidas a viver; sonhos a concretizar e desafios a vencer.

Quando alimentamos tão somente esse ser intangível, o casal, deixamos de alimentar a nós mesmos. Deixarmos de ser quem somos não é apenas incômodo; é suicídio.

Toda essa teoria fica acessível ao pensarmos na família extensa. Cada um cuida de sua vida, seguindo os ensinamentos dos antepassados. Não se tem, então, um destino único para a família, mas uma trajetória para cada ente. 

O apego e as relações mais íntimas no casal e na família nuclear deturpam essa realidade com o excesso de aproximação e, principalmente, com o romantismo criado como força reagente ao mundo individualista e autofágico.

É necessário que nos compreendamos e nos aceitemos como indivíduos. Que identifiquemos quem somos (a comida que preferimos, a cor que nos acalma, a música que nos purifica, as sensações que nos agradam). É necessário nos reconhecermos por nós mesmos para que possamos ressignificar nossas relações com o outro e também conosco e, assim, ressuscitemos a nós mesmos dentro de nossas próprias vidas. 

todaflor

Um comentário:

  1. "Todo ser é um/ e não há nenhum mal em ser ambíguo... todos nós um só, todos nós os mesmos, todos nós um nó..."

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