segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Se você soubesse o quanto você me dói, talvez não teria encostado em mim uma segunda vez sequer.
Não que me amasse tanto a ponto de não me querer sofrendo, mas por piedade, por dó.
Te tocar era como tocar minhas entranhas ensanguentadas em carne aberta, rasgada.
Era encostar no meu eu mais íntimo, sagrado, na minha própria essência, na chama da minha vida, ao mesmo tempo em que expunha meu corpo à morte, ardendo em febre e jorrando sangue pelos poros da pele, derretendo feito cera em candelabro.
Era vício que corroía, que matava aos poucos minha esperança e meu auto-amor, mas cujo prazer, eu cria, compensava.
Por você e em você eu descobri minhas piores sombras. Vi a minha ira crua. Vi minha luxúria se esbanjando em ilusões. Vi minha gula insaciável. Minha vaidade virulenta, inflamada. Vi minha preguiça abraçada com a covardia, que eu nem sabia que tinha. Vi minha avareza ao ignorar o sagrado que me gritava. Na inveja, eu me afogava.
Me vi masoquista e sádica.
Cada nosso encontro era coberto de prazer e sofrimento. Um choro seco em cada gota de suor que exalávamos.
Te via buscando meus olhos enquanto eu fugia. Eu tinha certeza de que me encontraria nos seus e isso me amedrontava. Eu era você e você também era eu. E se eu me encontrasse nesse poço abismal que não sabia sequer que eu existia? Talvez eu me perdesse na escuridão do nosso quarto.
Mas eu estava ali, sempre. Buscando meu prazer dolorido. A queimadura que eu insistia em aumentar, dia após dia, vagando na sinergia que nos mantinha ali, estranhamente unidos.
Talvez você soubesse, sim, da minha dor. Talvez não teria parado de me machucar mesmo se eu te contasse o quanto eu sofria. Mas não porque você era sádico como eu, mas porque nessa minha dor, você fundia a sua própria dor. No meu sofrimento mudo você descansava o seu. Na sua falta de amor por você mesmo, você encontrava a minha própria falta de amor por mim. Na minha covardia você encontrava a sua. Talvez, só talvez.
Hoje percebo que nunca foi amor. Sempre foi dor. Muita dor fundida, misturada.
Desejo - muito pouco praquilo tudo. Eu queria estar enganada.
Amor universal foi a expressão encontrada por nós pra falar da nossa desistência de nós.

- 2019

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