terça-feira, 5 de janeiro de 2010


No fundo, ela se setia perdida porque nunca havia se achado, se determinado. Sentia sempre um vazio seco, oco. Sentia que sua voz não era aquela, aquele corpo não era dela, nem seus pensamentos lhe pertenciam.

O que ela ainda não sabia, ainda que estivesse a um passo de saber, era que isso tudo não era fundo. Era raso, muito raso. A emergência do vazio era iminente e aconteceria antes mesmo dela se dar conta, já que não estava tão abaixo de seus pés quanto sentia.

Sim, sentia. Sim, estava enganada. Sua intuição a trapaceava pela primeira vez e ela, a intuição, gostava. Era bom, ao menos uma vez na vida - na sua e na dela - mentir.

Fazia esse trabalho com amor e fulgor, já que a rasteira estava sendo justificada pelos fins. A trapaça deixava de ser, aos olhos da intuição, vulgar, para ser amena, doce.

Num dia, não muito belo, talvez até comum, ela viu numa brecha da vida seu vazio emergindo a um milhão de quilômetros por hora, saltando como quando jorra o sangue pulsante pela carne viva cortada.

O coração batia inconsequente, forte demais, rápido demais, alto demais, impiedoso, dorido.

A respiração era confusa, lenta, veloz, atroz. Até que parou. A saliva desceu seca pela garganta.

O mundo deixou de ser mundo, só naquele momento. Virou palco quando apagam-se as luzes para a troca da cena.

E a cena que viria era estrondosa, rabugenta, glamurosa, escandalosa, esplendorosa. Viria pra marcar todo coração que por ventura estivesse ali.

Ela se sentou na cadeira bem no centro do auditório cheio de corpos e vazio de almas.

A respiração já se acalmara. O coração batia com brandura. O sangue corria com ternura nas veias frias sedentas por calor. A cena.

A primeira tragada torvou-a, com violência e impertinência comuns aos primeiros.

O gosto amargo do sangue gelado emudeceu seus sentimentos que gritavam.

Nao queria estar ali. Nao queria sair dali. Nao queria ficar ali, mas ali estava.

Sair correndo seria repetir o amargo, que seria então de rancor e culpa. Não, não desistiria. Permaneceria ali, sentada, custasse um dia, custasse sua pele. Era sua vida.

O palco se iluminou. A intuição surgiu e cambaleou. Também estava embriagada. Não tinha serventia.

Ela, horrorizada por sua amiga, a agarrou com suas mãos finas. Seu toque envolvente a aconchegou e fez cair sobre ela uma gota d 'água.

A intuição abriu seus olhos vermelhos cristalinos e sorriu. "Nunca te abandonei. Serei você, pra sempre!"
Desfaleceu, sublimou.
Com seus braços vazios, ela agora sentia.
Estava só, com a intuição em algum lugar de seu ser.
Precivam, dali, juntas em uma só, seguir. A direção era não importava, não fazia sentido.
Precisavam seguir. Precisava.

O palco desmoronou e restou o pó, que é o fim e o começo.

Ela não precisava de mais nada. Ela e o pó eram o mundo.
Ela e o pó eram a vida.

Ela e o pó. Agora.


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