quinta-feira, 20 de junho de 2013

Era tão pouco de que Ana precisava. Alguém pra olhar pra ela, pra aproximar-se vagarosamente de seu pescoço e inspirar-lhe a alma.

Não precisava de ninguém para olhar por ela, para cuidar-lhe. Ana era inteira e sabia respirar, comer, sonhar, gozar, rezar, viver e morrer sozinha. Não precisava de ninguém para fazer por ela coisas elementares.

Precisava, sim, de alguém que lhe fizesse o que ela e ela não seriam capazes de fazer; nem juntas, nem sozinhas.

Precisava de alguém para sentir seu calor, sentir seu gosto e ouvir seu corpo. Precisava de alguém para sentir seu cheiro, não de alguém para respirar ao seu lado.

Precisava de alguém para olhar para ela e ir além da superfície de seus olhos.

Precisava que lhe ouvissem sua voz e suas palavras, suas histórias e teorias que angustiosamente esforçavam-se para traduzir-lhe o espírito.

Precisava de alguém para acariciar-lhe a tez na certeza de que tocava milhões de células-Ana, e não apenas um aglomerado de carne; alguém que sentiria a lisura escorregadia de suas pernas e o toque suave de sua pele morna; que enxergasse a inteira Ana além de dois olhos e um sorriso.

Ana rogava por alguém que sentisse o frescor de seus cabelos quando limpos e o calor, quando suados.

Um alguém que olhasse seu sorriso e enxergasse o motivo da boca exageradamente aberta, torta.

Ana não precisava dividir sua vida, nem de ajuda para vivê-la. Ana queria vivê-la por si só e queria vivê-la na vida do outro, que iria querer viver a vida dele, na dela.

Mas Ana inteira não lhe interessava.

Seu esmalte cor de sangue reluzente soava-lhe simplesmente vermelho, enquanto que, na verdade era que era cor de sangue; não vermelho.

Os saltos finos de seus sapatos não pretendiam elevá-la, mas torná-la altiva.

Seu perfume não era doce, não tinham notas de sândalo, bergamotas, nem de rosas nem de azuis; era, no entanto, de notas elegantes que, quando interpretadas, formavam uma fragrância misteriosamente libidinosa.

Para ele, Ana era apenas uma mulher de salto nos pés, esmalte nas mãos e perfume doce.

Suas lágrimas não eram de choro, mas desabafo de mulher falante que se emudece, afogada em suas paixões.

Se, contudo, José ou qualquer outro pegasse uma única gota dessa lágrima e a repousasse nos ouvidos de sua alma, teria conhecido um pouco da Ana que insistia em rejeitar e cuja rejeição o fazia perdê-la dia após dia, ainda que houvesse a inútil tentativa empreendida por ela mesma de descamar-se, enquanto a terra ainda a sustentasse.

(frô)

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