segunda-feira, 12 de agosto de 2013




Ele segura nas mãos dos netos e mostra a pitangueira. Mostra também o pé de ata e o coqueiro. A flor que nasceu vai cair e, então, vai nascer a pitanga. Acompanha o crescimento da frutinha e briga com os passarinhos que chegam para estragar a graça dos netos. Dia após dia, a pitanga verde recebe a visita dos expectadores. Ele explica que a pitanga precisa de água e de luz. E também que passarinhos não são bem-vistos, nesse momento. 

A frutinha vai ficando alaranjada e as crianças querem pegá-la. Não pode – explica. O passarinho chega e derruba a pitanga – ele não escutou as lições do avô. A criança pega do chão, limpa na roupa, sopra, come e faz careta – o gosto é ruim. E começa tudo de novo: as visitas diárias, o verde que se torna laranja e a paciência. Dessa vez, não teve passarinho. A pitanga ficou vermelha como batom de moça – e doce como beijo. 

Outro dia, quando chegou em casa, viu as gaiolas abertas. O neto olhava com cara de “ahn?”. O que teria acontecido? Será que foi gato? O neto continuava olhando disfarçado. Depois, o pequeno confidenciou: “o vovô não disse que passarinho tem que voar?”. Então, o vovô ensinou e não fez. O neto aprendeu, fez e ensinou. A eterna troca.   

Numa manhã, depois do passeio no guidão da bicicleta do avô, o menorzinho pega uma pitanga e mostra pra mãe: ó! O avô tenta ensinar a ser cavalheiro, sugerindo que a dê de presente à sua única dama. Mas ensinar a ter paciência, aguar as plantas, observar o desenvolvimento da fruta, etc., etc., já era conteúdo demais pro garotinho de dois anos. Olhou pra mãe, pra fruta, pro avô. Pra fruta, pro avô. Pra fruta, pra mãe. Num piscar de olhos, mandou a pitanga goela abaixo e riu. Lição aprendida – merece o prêmio.

Foi assim também que o avô ensinou a cuidar da gata que apareceu prenha. A fazer chuva pros passarinhos, pendurando o aspersor no alto do limoeiro. A olhar pras estrelas e pra lua, com sorriso no rosto e dedo indicador voltado pro céu. A amar pegar carona na bicicleta.
E não satisfeito, ele ainda pergunta: “será que...?”, fazendo a molecada pensar e viajar nas possibilidades aparentemente sem respostas.

“Ah, ele faz isso porque é avô e todo avô é babão!”

A verdade é que não. A verdade é que ele também foi assim comigo, quando eu era criança. Comigo e com meu irmão. A verdade é que ele é assim até hoje.

Atento em saber da minha vida e dos meus pensamentos e decisões. Torce em silêncio para que eu escolha conforme seu "correto". Quando não concordo, ele sai em silêncio. E quando concordo, ele vibra. Ainda mais quando a escolha se refere a conhecer o mundo – seja pelas letras, pela janela, pela natureza ou pelos passeios.

Me lembro de vermos estrelas juntos, procurando pelos satélites. Me lembro das conversas sobre vida e morte – aos seis anos. Me lembro de acompanhar a gravidez de minhas cadelas e de chegar a fazer parto de cachorro. De pegar o gatinho na chuva e tentar cuidar, sob suas orientações.

Me lembro de quando ensinou a dar comida pra codorna, que virou comida do cachorro, que enterramos no quintal quando morreu. Me lembro de ouvir histórias quando a luz acabava. De tentarmos ensinar alguma coisa pro papagaio que me imitava. Me lembro dos livros de Sidney Sheldon que ele lia pra mim, antes de dormirmos, quando eu mal sabia ler. E também das tardes fazendo tarefa juntos, na quinta série.

Me lembro de ser levada para conhecer os parques cheios de flores, dizendo: “já pensou? Será que...?”. E era assim que eu ganhava minha iniciação na arte de alimentar a curiosidade, os questionamentos e os sonhos com o combustível mais brilhante: o amor.

E pensar que tudo isso foi opção? Opção do meu pai em ser, acima de tudo, pai. Obrigada!

Ps.: Mensagem postada hoje porque esqueci o arquivo no PC do trabalho no FDS.. rs    

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