sexta-feira, 20 de março de 2015



Dia desses recebi uma carta. Na verdade, era uma mensagem de texto, mas a recebi como carta em virtude de seu denso e elaborado conteúdo. Na verdade, mesmo, era tudo muito lindo para que eu não a considerasse uma carta (já que a carta parece ocupar um nível muito superior ao da mensagem de texto, na escala dos documentos líricos poéticos, DLP).

Tentei ser concisa na resposta que sequer foi pedida. Mas você sabe, não sou. 

Nossa amizade é gratuita e sabemos que algo flui entre nós. São flores, chuvas, mares. Talvez notas musicais, fé.  

Nosso amor é único, antigo. Não é paixão estrondosa, amor vermelho. É uma vontade simples de estar junto. Um junto que não é grudado, não é alcoólico, não é carne, não é perdido. Se é, nunca o permiti(re)mos. É ciente, contudo. Aquela certeza que a gente tem, sabe (sim, você sabe!), que sempre estaremos perto, ainda que não. É aquela mão que quando você fecha os olhos, vê e sente porque se juntos, sua mão estaria segura na minha.

Nossa intimidade excessiva parece que veio de algum lugar antes do verbo. Antes de olhares e mãos tocadas. Nossa intimidade, parece, sempre existiu. Sei que esse excesso te faz sentir algo estranho ao mundo, algo tão puro que não ousamos verbalizar. Mas te digo que excessos assim só são o que são por serem excessos. Se não o fossem, seríamos amigos como outros quaisquer. 

Nasce ela, a intimidade, menos da invasão e mais do convite. Menos da aceitação ao convite e mais da naturalidade, como uma criança que adentra à casa do vizinho, como se fosse extensão da sua própria.

Meu eu mais frágil, vulnerável, feminino e almático já se acostumou com a nudez ao seu olho nu. Suas pequenas e rasas aproximações (luneta, binóculo ou frases diretas) já não me assustam.

Quanto aos seus questionamentos, respondo, sem qualquer segurança, que sim, a culpa é toda minha. Sou uma devassa de mim. 

E sim, a culpa é sua, por esquecer que minha casa não é sua, embora vizinha. Por esquecer que minhas janelas servem para que eu possa ver o mundo. Elas não deveriam te servir. Mas sei que você nunca se esqueceu disso.

Por fim, declaro que a culpa é nossa e é nossa também a sina que nos cuidemos assim, a uma distância segura. Talvez por destino ou simplesmente pelo fato dessa coisa que nos une ser tão singela e leve; tão mais antiga que nós.

(frô)

A carta 

Hj me sinto tão íntimo seu... depois de ler tanto suas histórias, me senti porém inconvenientemente íntimo. É como se eu morasse em um prédio à frente do seu e tivesse uma luneta de raio-x. Vi até por debaixo das suas roupas. E depois de tanto te ver, me tornei um obcecado, pois quanto mais se vê (lê) mais se atiça a curiosidade. E mais! É como se vc soubesse da minha obsessão. Vc me flagra fitando e contraditoriamente abre as cortinas. O que me intriga é pq ainda assim, com vc escancarando seu eu, continuo sentindo que lhe invadi. Envergonhado até. Pq? Reflexão. Resultado: 1) a culpa é sua, vc é uma devassa de si; 2) a culpa é sua, vc escreve pensando que só lê quem não lhe conhece; 3) a culpa é minha, vc estava só respondendo pra si mesma a pergunta "vc é livre?"; 4) a culpa é minha, tenho um excesso de zelo por vc. Bom, independentemente da resposta, não adianta mais. Para um obcecado inofensivo como eu, não precisa de tratamento de choque, basta doses regulares de vc. Ainda que seja por meio de uma luneta de raio-x.

(um amigo)




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