terça-feira, 3 de abril de 2018



A decisão de viajar ao Uruguai foi tomada meses atrás, quando comecei a sentir a já conhecida imensa necessidade de respirar novos ares. Como dizem por ai, dentro de mim “algo errado não estava certo” e meu instinto pedia isolamento e meditação.

Embora tenha convidado algumas amigas, por motivos vários ou por mero capricho do destino, no dia 18 de março desembarquei em Montevidéu, sozinha.

As vésperas da partida foram carregadas de insônia, temor e ansiedade. Era minha primeira viagem só, fora do Brasil.

Como teria somente minha própria companhia, com liberdade e cautela tracei o roteiro solitário. Nele, apenas no último destino, Punta del Este, teria a chance de fazer amigos, me hospedando num hostel estilo “badaladíssimo”.

Ainda que tenha me recebido com dois dias de chuva, Montevidéu foi uma linda amiga. Meu anfitrião disponibilizou seu sofá (couchsurfing) e não me permitiu um único momento de meditação, estando sempre atento, presente e animadíssimo com muita música, cerveja, histórias e lições de espanhol. Os dias corriam rápido com tanta novidade e, no final, fiz amizade com uma brasileira que expulsou qualquer resquício de introspecção. Deixei para buscar a tão almejada solidão no próximo destino.

No único dia em Colônia del Sacramento, me ocupei em conhecer a cidade. Subi o farol e aguardei o pôr-do-sol. Depois de dois minutos entrando em sintonia comigo mesma, com a ajuda da luz que me aquecia a face, um equatoriano se aproximou e terminamos o dia conversando sobre viagens. Projeto meditação mais uma vez adiado.

Mais uma noite de couchsurfing me aguardava. Agora, junto a um casal, com quem conversei sobre costumes e política, comi pizza e aprendi a fazer o mate.

Rumo a Punta del Diablo, paisagem bucólica, praias pouco visitadas e um quarto alugado numa mini-casa em que a proprietária havia me informado que não estaria. Cheguei com a certeza de que teria duas noites de meditação e silêncio, na beira do mar e largada no mato.

Para minha surpresa, contudo, dividi a casinha de um quarto com a amiga da dona e o resultado foi inevitável: muita conversa, risadas, amizade e nada de solidão.

Eu já me angustiava porque não conseguia encontrar a paz que tinha ido buscar. Eu havia viajado para estar isolada, pensar na vida, lidar com minha própria companhia, com o mínimo possível de internet, amigos, gente.

O destino ajudou, me permitindo esquecer o carregador portátil, limitando muito o uso do celular. Mas também não ajudou, dando acesso a internet em todos os lugares onde me hospedei e trazendo, sempre, companhias inesperadas.

Me questionei, então, se o universo estava contra meus objetivos ou se meus objetivos é que estavam contra o universo. Sou bastante petulante, mas dessa vez, não podia medir forças. Meu oponente era muito maior que eu e, em verdade, nunca se opôs a mim. Eu precisava aceitar e refinar minha escuta para ouvir sua voz. Talvez ele, o destino, estivesse dizendo algo diferente do que eu procurava ouvir. O processo de questionamentos estava instaurado. O desenrolar da mensagem viria nos próximos dias.

Naquela noite, desci até o povoado em Punta del Diablo e conheci uma sanduicheria vegetariana. O ambiente era lindo, estilo rústico-chick, com um reggae ao fundo, se misturando ao som das ondas do mar.

A comida encheu os olhos e o apetite. Corri para fotografar. Precisava registrar. Fotografei. Mas a imagem não captava o som, não captava a luz, o frio. Filmei. Ainda não satisfeita, decidi que precisava postar em alguma rede social. Opa! Perai! Precisava postar? Não. Eu não precisava postar. Ou precisava?

Na longa caminhada de volta, pensei. Pensei muito. Que necessidade era aquela de postar minha comida e um momento tão meu? Eu me repreendia rigorosamente, pensando no excesso de exposição tão comum nos dias atuais. Mas dessa afirmativa, veio outra pergunta: por que era tão comum? A resposta mais óbvia seria carência. Mas de que? Sempre carência? Foi então que entendi que essa necessidade que eu sentia era simplesmente humana e suas justificativas poderiam ser das mais diversas.

Percebi que eu não queria "postar". Eu queria "compartilhar". Eu não queria mostrar a comida. Eu queria compartilhar o ambiente, os sons, o momento. Pudera compartilhar os sabores e os aromas. Queria que alguém - qualquer pessoa amiga - conseguisse sentir um pouquinho do meu prazer. Queria que, de algum modo, a foto atingisse alguma lembrança ou a imaginação alheia, para que mesmo longe, experimentassem sensações parecidas, proporcionadas pelos sons, sabores, cheiros, cores. A compreensão inusitada surgia devagar.

Novo destino: Cabo Polônio. Ali, numa reserva ambiental, certamente, teria a paz que precisava e ansiava, embora já questionasse o quão desejava, agora, a solidão.

Como já devia imaginar, nada do que planejei aconteceu. O hostel era bastante familiar e gente que já se conhecia se reencontrava. O clima era demasiado amistoso e eu simplesmente fui tragada por aquela energia. Paguei por uma cama e um café e recebi café, almoço, janta, cerveja, amigos, sorrisos, brincadeiras, músicas, histórias, fogueira, sensações e um céu tão estrelado que nem parecia nosso! Aquelas pessoas me receberam como amiga e comigo compartilharam o que tinham.

Mais uma vez aquela palavra surgia em minha mente: compartilhar.

Me lembrei, em tempo, da resposta recebida do meu anfitrião em Montevidéu, quando convidamos minha nova amiga brasileira para comer uma pizza conosco e eu o “alertei” que eu mal a conhecia: “eu também não te conhecia quando compartilhei com você da minha comida, da minha cerveja, do meu sofá e das chaves da minha casa”. As vozes eclodiam em minha alma.

Partia para meu último destino: Punta del Este.

Havia escolhido um hostel badaladinho porque imaginei que, a essa altura, estaria cansada de ficar sozinha. Como não poderia ser diferente, nada do que planejei aconteceu. O hostel estava vazio e ficava um pouco longe do centro. Fui aos pontos turísticos, caminhei na praia, vi os lobos marinhos. Conheci o incrível Museu Ralli. Visitei a Casapueblo de bicicleta e vivenciei aquele pôr-do-sol tão famoso e único. Tudo sozinha.

Naquele momento, vendo o sol se pondo, fotografei, filmei. Filmei mais. Fotografei mais. Eu suspirava tanto! Cheguei a mandar vídeos para meus pais, tentando transmitir a eles um pouco das sensações maravilhosas. E a poesia nos minutos finais!? Ah, a poesia!

Me lembrei, então, das inúmeras descrições que havia lido na Internet sobre aquele fabuloso evento. Percebi que, mesmo sendo diferente a cada dia, as sensações descritas por tantos viajantes das mais diversas nacionalidades se assemelhavam. Ao descrevê-lo, compartilhávamos o espetáculo do mesmo sol, em seu processo de cair atrás do mar, que se repete há milênios.

Onde eu menos achei que estaria só, onde tinha a maior densidade de gente ao meu redor, encontrei a solidão. A solidão de estar só, de fato. A solidão de sentir-se só, no meio de tantas pessoas. A solidão daquele que vibra, sem ter ninguém para compartilhar, sem ter nenhum cúmplice com quem meus olhos pudessem conversar em silêncio, a quem minha pele pudesse gritar com um toque.

A solidão me visitou, deixando claro que eu me enganava quanto às minhas buscas.

Eu não precisava aprender a ser só; não precisava da solidão para me encontrar. Percebi que nem meu silêncio nem meus gritos interiores me perturbam. Não preciso me isolar para ouvir minha voz e mesmo o meu silêncio é bastante querido. Percebi que lido bem comigo mesma. Eu não me incomodo.

Me acompanhando por alguns poucos mas selecionados instantes, a solidão me abraçou e senti seu perfume doce, aconchegante e tão familiar. Mas o momento, de tão intenso, pedia sua ausência.

Refleti.

Para mim, olhar o espelho era confortável em comparação a me enxergar pelos olhos do outro e enxergar o outro com tudo o que ele é, com meus próprios olhos. Era melhor estar só. Sentir o mundo pela minha pele e comunicar essa leitura ao outro – e receber do outro sua própria leitura era demasiado complexo; era mais fácil estar só.

Melhor e fácil, mas não pleno. A plenitude dos sentidos, dos pensamentos e emoções exigia o compartilhamento. Beber da mesma xícara de café, tomar da mesma garrafa de cerveja, comer da mesma porção, sentir do mesmo aroma, enxergar a mesma paisagem, respirar do mesmo ar – e receber um pouquinho do que experimenta o outro, sem intenções, somente por compartilhar. É quando dois se tornam um; quando se forma um túnel entre humanos. Comungam-se. Associam-se. Unem-se. São cúmplices de um quase segredo; de algo que é só deles involuntariamente, porque só eles experimentaram.

Então, veio uma descarga de alegria. Entendia, na prática, a mensagem do filme “Into the Wild” e que outrora refutava (com minha petulância). Eu vivenciava o que Henry Thoreau tão bem resumiu: “a felicidade só é real quando compartilhada”.

Na minha busca pela solidão, caminhei pela comunhão e encontrei muito mais do que imaginava.

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Ps.: Talvez por tudo que escrevi, a mensagem que quis passar seja tão inacessível e ineficaz quanto tentar descrever o sabor do capuccino tomado no terraço do Museu Casapueblo. Mas não custava tentar.

Um comentário:

  1. Florzinha querida, que bom poder viajar contigo para o Uruguai e para dentro do seu mundo emocional tão rico de experiências.

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