terça-feira, 16 de março de 2010

Por se falar em vida...


Há muito tempo José não olhava com aquela insistência toda para qualquer mulher. Não era uma insistência de tempo, nem tampouco de frequência ou intensidade. Era uma insistência incompreendida de eternos milésimos de segundos mudos, em que o fato de algo mágico estar acontecendo é aceito por ambos, mas sem que qualquer um fizesse ideia do que se passava.
Embora não houvesse a intenção de se repetir, o momento se multiplicava a cada oportunidade, numa gênese  que só aparentemente era involuntária. A sensação estranha era plasmada num misto de rudimentar delicadeza e incômodo, e talvez por isso a sensação de tudo ser tão gratuito e frio e, ainda, inoportuno, por mais inapropriada que pareça a palavra.

Aliás, nesse momento, palavra alguma era bem-vinda. Todas falavam demais, intensionavam demais, gritavam demais. Aquele vácuo, embora incômodo, era o melhor que Deus lhes podia dar.

Ainda que fossem momentos mudos, ele sabia que ela também desfrutava de toda aquela incompreensão. Sua resposta física era tão igual à dele, com um quê de indiferença, outro quê de orgulho e, como se não bastasse, uma vontade louca de conferir se aquilo era apenas um banho de cachoeira ou era o magnífico encontro do rio com o mar.

Os olhos de Ana não fitavam e não eram usados para flertar, já que não queria fazer deles armas de sedução, quando eram tão somente mais um meio de comunicação almático.
Quisera ela poder fechar os olhos naquele momento. Mas não podia. E cada vez que o momento se repetia, sentia-se desnuda, atingida, invadida.

Mas Ana era Mulher. E como Mulher que era, não podia fingir que nada acontecia. Aproximou-se de José, como uma presa que se aproxima de seu predador, sabendo de todos os riscos que corria e desejando-os. Teria que parecer que era presa fácil, para então mostrar que em verdade, era uma assassina de momentos mágicos indeléveis, a leva-los à travessia da morte, tornando-os carnais.

Sutilmente, aproximou-se de José e deixou que os tais momentos de olhares mudos fossem engolidos pela cruel e massacrante comumez dos tempos. Tudo era tática. Ela precisava fingir ser normal, fingir não perceber os carinhos dos olhos para que a aproximação fosse realizada.
E ela se fez.

José reparou a aproximação forçada, sistematizada, maquiavélica e pontual e gostou. As almas estavam ali, entrelaçadas. Os corpos… bom… isso era coisa de vida… e há muito mais coisas no mundo que simplesmente vida…



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